domingo, 13 de outubro de 2013

Salas de (des)espera

Diário de Coimbra, 13.out.2013


Quase todos nós já passamos pela experiência de aguardar a chamada para uma consulta ou tratamento numa sala de espera de um serviço público de saúde.

Quem já passou por várias destas salas de espera pôde reparar que as há de tamanhos e feitios diferentes. Encontramo-las enormes ou exíguas, largas ou estreitas (às vezes meros corredores), de teto baixo ou elevado, com janelas ao nível dos olhos ou junto ao teto em bandeira basculante, etc. etc..

Estas variações resultam do modo como a prestação do serviço foi concebida (ora concentrada, ora dispersa) e, numa grande parte dos casos, da necessidade de os serviços se adaptarem às condições arquitetónicas dos edifícios onde se encontram.

As acomodações destinadas aos doentes e acompanhantes, quando chegam para as encomendas, apresentam as mais diversas caraterísticas. Há cadeiras de plástico, outras de madeira e outras com armação de metal, por vezes misturadas na mesma sala, raramente confortáveis, e aparecem dispostas em filas ou encostadas às paredes.

Também podemos contemplar avisos, muitas vezes meras folhas de papel, inseridas em bolsas de plástico, coladas com fita-cola em vidros de janelas, portas ou divisórias, em paredes ou colocados em expositores. Os respetivos conteúdos variam. Aparecem, entre outras, indicações sobre os procedimentos a cumprir pelos doentes (nomeadamente relacionados com a marcação de consultas, exames ou tratamentos) e recomendações pretensamente profiláticas sobre determinada doença. Aquilo que se pretende transmitir nestes avisos raramente será interiorizado pelos destinatários, pois muitas vezes são textos longos e porque têm de ser lidos de pé e perto do local onde se encontram expostos. Ou seja, a mensagem fica, quase sempre, muito aquém do destinatário e percebe-se que para se atingir o objetivo pretendido seria melhor disponibilizar as informações de modo pessoal (personalizado, como agora se diz) e sistemático, através de folhetos informativos entregues na oportunidade adequada a cada doente.

Nestas salas de espera também existem, com muita frequência, um ou mais televisores, sintonizados num dos canais genéricos disponibilizando imagens quase sem som ou com som a mais que servem para ninguém ver, dada a distância a que têm de estar colocados em relação aos assistentes, constituindo meros enfeites consumidores de energia. Muitas vezes, esses televisores permanecem ligados mesmo quando a sala fica deserta após o termo das consultas.

Para além de tudo isto, os serviços organizam-se em função das suas próprias conveniências, convocando todos os doentes para a mesma hora ou para uma hora muito anterior à agendada, raramente cumprindo o horário previsto. Há sempre uma justificação para os atrasos, que resultam da desorganização dos serviços, mas que se repercutem sempre sobre o doente que espera… De tal modo que na população portuguesa está enraizada a ideia de que “nos serviços de saúde, todos temos de ter paciência e esperar”.

Em geral, as características das salas de espera bem como a forma de (des)organização dos serviços públicos de saúde refletem, de modo implícito, a conceção que os seus dirigentes e demais profissionais (ou pelo menos alguns) assumem na prática diária, consciente ou inconscientemente, sobre o modelo de relacionamento dos serviços com os doentes e seus acompanhantes. Trata-se de algo muito híbrido, pois tanto aparecem manifestações de uma postura autoritária (por exemplo, imposição de comportamentos com a indicação de consequências nefastas em caso de “desobediência”, estilo agreste nos textos dos avisos, omissão, muito habitual, do tratamento por “senhor” ou “senhora” na chamada sonora para a consulta) e defensiva (por exemplo, postos de atendimento com separadores de grande rigidez que dificultam muito a audição entre o doente e quem o atende) como podem aparecer procedimentos atenciosos, pelo menos aparentemente (por exemplo, lembretes no telemóvel a alertar para a data da próxima consulta) ou uma exagerada solicitude na forma de atendimento, às vezes roçando o paternalismo.

Mesmo que se entenda que esta vertente da prestação dos cuidados de saúde é de somenos importância (argumentando-se que o que importa é a segurança e a qualidade da prestação direta dos cuidados de saúde), vale a pena assinalar que “o tempo de espera para atendimento no dia da consulta ou tratamento” constituiu, pelo menos em 2009 e 2010, a segunda causa de reclamações de utentes de serviços públicos de saúde, conforme relatório da Inspeção Geral das Atividades de Saúde, infelizmente o único acessível no portal da saúde. Tal demonstra que as pessoas são sensíveis, e muito, ao que (des)esperam quando aguardam por uma consulta ou tratamento. Não se aplicará, nestes casos, com todo o fundamento, o ditado: “Quem espera desespera”?

Quando será que os dirigentes dos serviços de saúde e os profissionais de saúde passam a levar a sério esta sensibilidade?
 
Carlos Paiva

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...