domingo, 6 de outubro de 2013

As Pessoas e os números

Diário de Coimbra, 6.out.2013

Preocupados com um quotidiano que nos absorve, e atraídos pelo borbulhar nervoso das notícias de última hora, distraímo-nos na leitura daqueles que são os sinais vitais duma sociedade em mudança profunda. Na verdade, a atenção suscitada pela torrente de acontecimentos que consideramos determinantes da nossa vida contribui para que releguemos para um segundo plano indicadores que deviam prender a nossa atenção e reflexão, quando não a nossa preocupação. A árvore não nos deixa ver a floresta.

Dando corpo a essa ordem de preocupações a última semana foi fértil na alusão de números que são retrato duma sociedade que enferma duma crise profunda, cuja superação implica respostas que inexistem no actual modelo político, económico e social.

Três indicações, são exemplo, na sua simplicidade, de que algo está mal. Assim, uma primeira constatação de que o número de nascimentos em Portugal em 2012 foi de 89.841 sendo certo que, na década de 60, a taxa de natalidade bruta era praticamente o dobro da atual. Em 50 anos Portugal passou de mais de 200 mil nascimentos anuais para cerca de 100 mil. Nos últimos anos verificou-se uma situação inédita no país: em 2007, 2009 e 2010 foram menos os que nasceram do que os que morreram. Em 2013 tudo indica que se irá verificar uma nova quebra. Na verdade, nos primeiros seis meses do ano nasceram 37.953 crianças pelo que, confirmando a tendência negativa, no final do ano o número de nados vivos pode situar-se abai¬xo dos 80 mil.

A decisão de ter um filho é algo de essencial na vida do casal, tomada na sua intimidade, e pressupõe uma vontade determinada de assumir a responsabilidade pelo nascimento de um novo Ser, em que nos revemos, proporcionando-lhe tudo o que se conjuga para o seu bem-estar. Porém, a essa vontade formada individualmente, deve corresponder o Estado com políticas de apoio que incentivem a natalidade e proporcionem as melhores condições à Família na certeza de que esta é um espaço único para que aquela Criança se desenvolva.

Não é isso é que tem acontecido e se, por um lado, a noção tradicional, e insubstituível, da Família é colocada em causa pela agenda dos temas fracturantes, igualmente é exacto que a situação económica e a falta de expectativa de emprego e de estabilidade destrói esse sonho de muitos jovens. A subida de impostos e a diminuição das deduções fiscais na educação e saúde não são o melhor incentivo para quem quer construir um futuro melhor para os seus.

Não é sustentável um país em que grande parte dos seus jovens constrói os seus sonhos, e o seu futuro, em função duma próxima ida para o estrangeiro onde tudo será mais fácil, incluindo o nascimento dum filho que, eventualmente, já será nacional de uma outra Pátria que lhe dá o pão.

Uma segunda noticia que é também um sinal de alerta é a circunstância do Eurostat indicar que, em Portugal e no ano de 2011, estavam em risco de pobreza ou exclusão social 2,6 milhões de pessoas, ou seja, o equivalente a 24,4% da população.Para além da sua simplicidade linear este número representa um enorme mundo de insatisfação de necessidades elementares e de exclusão social. As desigualdades sociais acumulam-se, e, para uma parte substancial da sociedade portuguesa, o viver o dia-a-dia tornou-se uma tarefa penosa.

Muitos são “novos pobres”, pessoas que, com a perda de empregos e de rendimentos que sobrevieram, passaram a conhecer dificuldades, ou mesmo a impossibilidade, de solverem os seus compromissos o que as coloca em posição particularmente vulnerável, ou na iminência de perderem a sua casa e os seus bens.

Por contraposição a esta parcela da sociedade encontramos a assimetria dum país que é o segundo com maior nível de desigualdade na União Europa na qual Portugal apenas é suplantado pela Letónia. Qualquer que seja o ratio que se utilize a posição relativa de Portugal não se altera e a proporção do rendimento auferida pelos 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de 6.8 enquanto a média da U.E. é de 4.8.

Também, por aqui é necessária uma “revolução coperniquiana”. Muitos dos desafios com que a nossa sociedade, e os nossos políticos se confrontam, teriam uma outra resposta, bem mais positiva, se estivessem presentes alguns dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja e nomeadamente a procura do bem-comum; o direito ao trabalho e o respeito pela Verdade.

Uma terceira indicação, bem mais recente, refere-se ao número de abstenções nas últimas eleições que ascendeu a 47,4 %.Quase metade dos 9.492.396 eleitores inscritos optaram por não exercer o direito de voto nas autárquicas de domingo.

Estes últimos números prendem-se diretamente com os primeiros pois que a abstenção, mesmo quando traduz um voto de protesto perante a actuação de partidos nos quais não nos revemos ou de políticas que reprovamos, é um gesto de indiferença perante o exercício dum direito fundamental de cidadania. A mudança, pelo contrário, pressupõe a acção e implica o nosso empenho na construção duma sociedade civil mais forte, intervindo de todas as formas possíveis, animados unicamente pelo espirito do bem comum. Mesmo que a nossa intervenção na vida da Republica seja unicamente pelo mero acto de votar vem-nos à memória Abraham Lincoln quando afirmava que o “boletim de voto tem mais força que um tiro de espingarda."

A pobreza e o definhamento que os números apontam nunca será ultrapassada pela abstenção, e pelo alheamento, mas por uma cidadania activa e empenhada.
 
Santos Cabral

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