domingo, 29 de dezembro de 2013

Sim, nós podemos!


Diário de Coimbra, 29.dez.2013

Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civilização nos fazem olhar com nostalgia a segurança com que atravessámos outros tempos e espaços.
No nosso dia-a-dia somos agora confrontados com novas realidades que configuram a forma como agimos e nos relacionamos com o Outro. Duma forma insidiosa, o nosso léxico é povoado por expressões como globalização; outsorcing; integração económica, etc. sendo certo que, por detrás da mera semântica, tais expressões exprimem uma realidade social e económica em profunda mutação. Por seu turno, a força dos números fustiga-nos com uma dureza que vai desde a constatação do 1,4 bilião de pessoas que vive abaixo do limiar de pobreza até à informação de que metade das cem maiores economias do mundo são empresas.
Com sobressalto olhamos para o passado e, na contraposição com o presente, deparamo-nos com uma Sociedade Industrial que se esfuma, dando lugar a uma nova era da Informação Global cujos contornos só parcialmente conseguimos distinguir. Desde o desempregado da empresa que se deslocalizou, ou que foi substituído pelo autómato, até à desesperança dos jovens é todo um universo de mudança que sucede sem que exista um fio condutor, ou uma estrela polar, que nos dê referências nos passos que damos e da direcção que seguimos.

Por outro lado, nunca como agora se decidiu tanto, e em tanto lugar, em função dos interesses financeiros, sem qualquer respeito pelo enorme custo que representa para a esmagadora maioria da Humanidade uma economia sem valores e sem regras. Apelando para as palavras duras, mas justas, do Papa Francisco (Exortação Evangelii Gaudium) Esta economia mata. …enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. Não a um dinheiro que governa em vez de servir.

Importa salientar que esta viagem que fazemos num mar de tempestade não é sequer um fenómeno local; nacional ou continental, mas uma realidade à escala planetária a que ninguém fica imune nesta aldeia global, e nossa casa comum, que é o planeta Terra. Apelando novamente para Evangelii Gaudium a economia - como indica o próprio termo - deveria ser a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum, que é o mundo inteiro. Todo o acto económico de uma certa envergadura, que se realiza em qualquer parte do Planeta, repercute-se no mundo inteiro, pelo que nenhum Governo pode agir à margem de uma responsabilidade comum. Na realidade, torna-se cada vez mais difícil encontrar soluções a nível local para as enormes contradições globais, pelo que a política local se satura de problemas por resolver. Se realmente queremos alcançar uma economia global saudável, precisamos, neste momento da história, de um modo mais eficiente de interação que, sem prejuízo da soberania das nações, assegure o bem estar económico a todos os países e não apenas a alguns.

Esta transformação não tem de ser necessariamente um momento negativo na história humana e pode conter o gérmen duma nova sociedade mais justa que vá ao encontro das expectativas de largas camadas da população que, em todo o planeta, sofrem a iniquidade da pobreza; da fome; do desemprego e da doença. Para que tal suceda é essencial que a noção da centralidade do Homem seja a alavanca duma transformação social e económica na qual todos tenham lugar.

Na verdade, a transformação global que nos submerge não é algo de axiologicamente neutro, apenas regulado pela lógica dos mercados e pelo jogo de interesses, mas tem de se sujeitar a regras, e valores, que resultam do bem comum e derivam duma ética de comportamento que a todos se impõe. No que toca ao nosso País, para além da evidência da crise social e económica, existe uma outra, bem mais profunda, que é a crise de valores, e a indiferença colectiva, aliada a uma ausência de intervenção duma sociedade civil informada, apta a talhar o seu destino.

Neste início de um Novo Ano o meu voto é de que saibamos estar à altura dos desafios da mudança sem fugir à nossa responsabilidade perante o Futuro. Só a força das convicções num tempo de crise pode gerar a Esperança e estar à altura dos desafios dos tempos que correm, permitindo que, também nós, possamos dizer “Sim, nós podemos!
José Santos Cabral

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...