domingo, 20 de outubro de 2013

Os problemas existem

Diário de Coimbra, 20.out.2013

Há muitas pessoas que acreditam que são as únicas que têm uma vida difícil. Esquecem-se que a vida é difícil para todos. Ninguém fica de fora.

Outros pensam que a vida é isenta de problemas. Ou procuram afastá-los por completo. Isso não é possível. Pelo contrário, a vida é uma sucessão de problemas. É precisamente ao enfrentarmos e tentarmos resolver os problemas que a vida adquire significado.

Os problemas dão-nos coragem, tornam-nos conscientes e responsáveis. Infelizmente, se não os enfrentarmos e se não os superarmos, eles acabam por nos trazer sofrimentos, frustração, dor, tristeza, solidão, medo, sentimento de culpa, complexo de inferioridade, ansiedade, angústia e desespero. É por tudo isto, que os seres humanos tendem a fugir-lhes, fazem tudo para não os enfrentar, para os negar, para não os verem, para os mandarem embora. Mas a fuga aos problemas é a principal causa das neuroses.

Quem não sofre com os problemas não consegue crescer. Enfrentá-los e suportar os sofrimentos que daí advêm, pode tornar-se, pois, útil e necessário, mesmo indispensável.

Passa o tempo… e os problemas vão-se resolvendo. De facto, na vida, o estado doloroso e a frustração quando nos sentimos cheios de problemas, impotentes, pequeninos, fragilizados, são de tal ordem que queremos ver-nos livres deles depressa, resolvê-los rápida e imediatamente. Mas, na realidade não é assim. Tudo leva o seu tempo. Um dos modos para saber viver consiste em aceitar sempre o tempo necessário à resolução de um problema. Enquanto que aquilo que nós geralmente queremos é fazer tudo demasiado depressa! Mas o desenvolvimento da pessoa, a caminhada de crescimento para a consciência de si próprio, a capacidade de amar, de ir ao encontro, de ser-se amigo, exigem tempo.

Se pretendemos tornar-nos capazes de dar e receber amor, amizade, necessitamos aprender a dedicar tempo a nós próprios. Não existe solução imediata para nada. Quando nos encontramos perante problemas interpessoais e sentimos não estar a conseguir compreender o que se passa, é sinal que não estamos a dedicar o tempo suficiente à sua análise para os compreendermos, para encontrarmos soluções adequadas.

Os problemas não se resolvem sozinhos. Temos de ser nós a resolvê-los. O tempo não os resolverá por nós. A realidade tem de ser enfrentada, superada, vivida.

Por outro lado, os problemas não existem por si próprios. Existem porque nós existimos. E se não queremos assumir a responsabilidade das suas consequências desagradáveis, seremos forçados a enfrentar os egoísmos que trazemos cá dentro. O problema, contudo, reside em que grande parte das pessoas tenta basear a sua existência, a sua atitude perante a vida, numa redução de riscos, de responsabilidades. Querem viver tranquilamente. Fazem tudo para não sofrerem. Renunciam às infinitas potencialidades com que Deus os dotou, para enfrentarem qualquer tipo de dor ou de medo. Parecem ignorar que os problemas existem sempre. Quando o melhor será enfrentarmos a nossa verdadeira natureza, aquela com que nascemos, explorando e aceitando também os aspetos frágeis, mais débeis, mais negativos, para podermos melhorá-los, para lhes darmos um novo significado.

Os problemas assumem, então, um significado particular, vital, que nos guia, que nos orienta, num sentido formativo, essencial, pessoal. As pessoas que encontramos e as dificuldades que daí advêm, tornam-se parte integrante do significado que daremos a nós próprios, à nossa existência. Serão, sobretudo, as nossas reações, as nossas respostas, o nosso comportamento, o nosso modo particular de enfrentar os problemas trazidos pelos outros, o grande indicador e a forma de desvendar a nossa verdadeira personalidade. Dir-nos-ão verdadeiramente quem somos. Pôr-nos-ão completamente a descoberto, disponíveis para a realidade e verdade, para nós mesmos e para os outros, em resumo, para Deus. Só assim nos sentiremos finalmente libertos.

Se quisermos viver a vida com verdade, torna-se necessário que aprendamos, em primeiro lugar, ou mesmo depois, a ver e a viver a vida, como um conjunto de problemas que, na realidade, são sinais e provações, através dos quais exercitamos o nosso único e verdadeiro poder, que é, afinal, a capacidade de conseguir enfrentá-los. Apenas ao vivermos os problemas que nos aparecem, nós damos forma, nós assumimos a dignidade de sermos pessoas. Caso contrário, somos vítimas dos problemas que existem em nós.

Alberto Lopes Gil

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