domingo, 15 de dezembro de 2013

Processo de Bolonha: um desafio que permanece?

 Diário de Coimbra, 15.dez.2013


Grandes expectativas e alguns receios, imensas dúvidas e alargada contestação são palavras que definiriam o estado de espírito de muitos de nós, em 2006/07, relativamente ao Processo de Bolonha.

Enquanto Presidente do Conselho Pedagógico da FEUC naquela época, e apesar de a nossa equipa (contando com a ajuda do Gabinete de Apoio Pedagógico) ter feito um enorme investimento na deteção, discussão e resolução dos variadíssimos problemas de transição que, muito naturalmente, preocupavam os alunos, confesso que ansiava pelo início do ano letivo de 2007/2008. Estava plenamente convicta de que esta reforma iria despoletar a – há tanto tempo desejada – mudança de mentalidades no ensino superior português.

A complexidade do caderno de encargos delineado era assinalável. Devo no entanto admitir que é com satisfação que hoje, sete anos volvidos, constato termos dado, nessa altura, início a um novo ciclo na nossa Faculdade, na Universidade. O processo entusiasmou docentes e alunos, que, desde então, se vêm empenhando no sentido do seu sucesso. Há, porém, muito ainda por fazer. Assim sendo, importa que todos (retomando iniciativas similares às promovidas pelo, atualmente tão adormecido, Observatório de Bolonha) nos debrucemos sobre algumas questões incontornáveis. O que foi conseguido? Quais os ganhos? E as perdas? O que podemos e devemos corrigir? Caso contrário, corremos o risco de regredir, de insistir em erros cometidos há 40 anos.

Alguns dirão que estou a exagerar. Infelizmente, não o creio. Como podemos, hoje, os que, na década de 70, nos insurgimos contra o modo padronizado como nos queriam obrigar a agir e a pensar, aceitar sem discussão que a marcação de faltas é a receita milagrosa para promover a assiduidade às aulas e combater o insucesso escolar? Como esquecer que os estudantes, sendo pessoas adultas, com personalidade formada e hábitos adquiridos, devem assumir, quanto antes, as respetivas responsabilidades, para depois tomarem as suas decisões? Como é possível defender que a universidade é um local onde se privilegia o conhecimento, a liberdade de pensar, estudar e argumentar sem metas nem métricas e, simultaneamente, encará-la como um mero centro de treino onde tudo é avaliado e quantificado, semestre a semestre?

Este cenário agrava-se quando nos apercebemos de que, atualmente, um dos resultados mais conhecidos do Processo de Bolonha é a definição de um sistema de três ciclos sucessivos de formação a nível superior. Mais: que, para muitos, esta é a caraterística (qualidade para uns e defeito para outros) mais impressiva da reforma. Razão pela qual, muito frequentemente, me sobra a ideia, provavelmente injusta, de ter ficado esquecido – ou não ter ainda sido alcançado – o que realmente contava no início do projeto. Basta lembrar, por exemplo, a ambicionada, mas muito pouco concretizada, mobilidade de professores e estudantes. Ou a desadequação de alguns planos de curso, tendo em conta o tempo disponível e a preparação prévia dos alunos. Isto para não falar da miragem da empregabilidade (o mercado de trabalho continua a não estar preparado para os novos diplomas e, pior, muitas vezes os recém diplomados não saem habilitados para enfrentar a realidade atual) nem da dificuldade notória, sentida pelas universidades, em compatibilizar a liberdade académica, a autonomia e a obrigatoriedade de prestação de contas.

Surge então o dilema: queremos ceder a este sentimento de desesperança ou, conscientes do peso do passado, vamos continuar a procurar soluções, sem repetir os mesmos erros?

Por onde começar? Parece-me que se deve optar por insistir em que a organização letiva em dois semestres de 15 semanas de estudo não tem de corresponder exclusivamente a aulas presenciais, bem como aceitar que os estudantes devem ter disponibilidade para assistir a conferências e a debates e a participar ativamente na vida cultural, desportiva e associativa da academia; e, também, por definir um ECTS do professor, por forma a contribuir para que as atividades de docência e investigação possam coexistir de forma pacífica, equilibrada e justa.

Assim, convencidos da nossa capacidade de mobilização, talvez consigamos apostar em estratégias consistentes que nos permitam sobreviver a este período de crise, reforçando a nossa autoestima, realçando as nossas qualidades e combatendo as nossas fragilidades.

Teresa Pedroso de Lima

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