domingo, 18 de agosto de 2013

Autárquicas - a festa da cidadania


Diário de Coimbra, 18.ago.2013

É lindo de ver – sem ironia, e problemas financeiros à parte – a proliferação de “festas do concelho” e respetivas tasquinhas em vésperas de eleições autárquicas, continuando a fazer jus à sabedoria romana panis et circenses ludi, ainda que tal sabedoria tenha levado à ruina do Império... Mas que querem?! Gosto do fervilhar das eleições autárquicas. É a política próxima do cidadão comum, que mistura numa mesma caldeirada festiva e multicolor tanto gestos abnegados de entrega à comunidade quanto os mais insondáveis egoísmos e as mais estranhas querelas pessoais. Tal como acontece na vida de cada um de nós! Permitam-me, aliás, reforçar desde já esta ideia de que não podemos pedir aos atores políticos mais do que pedimos a nós próprios, até porque eles estão muito mais expostos do que nós e, por isso, neles todos os defeitos pessoais se avolumam…

Isto não quer dizer que não devamos pedir mais aos atores políticos e pedir mais a nós próprios, o que é significativamente diferente. Ou seja, a necessária condescendência para com as universais fraquezas humanas não isenta, antes reivindica, uma exigência ética muito grande a quem se candidata a um lugar de exercício ordinário do poder político, seja a que nível for. Mas trata-se de uma exigência ética acreditada não tanto por uma folha limpa de erros presentes ou passados (que sempre deleitam a comunicação social e as oposições), mas sobretudo por uma luta consistente pelo bem comum, aquele bem que respeita “todas as pessoas e a pessoa toda”, numa expressão de Paulo VI a propósito do desenvolvimento, e que João Paulo II retoma a propósito, precisamente, da função política.

E não isenta também o conjunto dos cidadãos de se envolverem na causa política, seja como candidatos, seja como eleitores, cada um nos graus e modos em que as suas aptidões, capacidades e, eventualmente, os papéis sociais específicos que desempenha, o obriguem. João Paulo II, dirigindo-se aos cristãos (mas num juízo extensível a todos os cidadãos, porque o que está em causa é a construção desse bem “comum”, comum também a cristãos e não cristãos…), dizia: “As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o ceticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública”.

Ora, pesem todas as deficiências – de mapa administrativo, de lideranças, de técnicos… - as autarquias, por razões de conhecimento e proximidade, são o campo por excelência do exercício efetivo desta cidadania política a que todos somos chamados. As eleições autárquicas serão sempre uma festa da cidadania, provavelmente mais do que qualquer outro acontecimento, mesmo que muitos potenciais candidatos se fiquem nas tintas e muitos cidadãos se abstenham de votar. E nós queremos participar dessa festa. Naturalmente, alguns excessos de campanha também deixarão mágoas pessoais; mas nada que em absoluto não se resolva logo a seguir, noutra festa, à volta dumas febras com um tinto na mão. É tão lindo ser-se tão humano!

Carlos Neves

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