domingo, 10 de março de 2013

Um novo rumo


Diário de Coimbra, 10.mar.2013

No âmbito do “Programa de “Assistência Financeira” negociado pelo Governo português com Troica (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), tem vindo a decorrer a sétima ronda de avaliação trimestral em que os representantes das três entidades anteriormente referidas vêm analisar com as autoridades portuguesas, o grau de cumprimento das medidas negociadas e o seu impacto face aos objectivos delineados.

Esta ronda de avaliação reveste-se de um significado especial dado que os efeitos das medidas que têm vindo a ser tomadas não estão a produzir os resultados esperados.

De facto, a dívida pública tem aumentado de forma preocupante: 151.775 milhões em 2010, 174.890 milhões em 2011 e 194.519 milhões no final de 2012, o que corresponde a um aumento médio de cerca de 20.000 milhões de Euros por ano. No final de 2012 o saldo provisório do défice das contas das administrações públicas, na óptica da contabilidade pública, ascendia a 8.923 mil milhões de Euros. Já no que concerne ao desemprego, os últimos dados publicados pelo Eurostat indicam que cerca de 18 em cada 100 portugueses estão no desemprego.

Face a tamanhos desvios entre o previsto e o executado, o Governo tem vindo a insistir na urgência de se proceder a novos cortes na despesa. É, neste contexto, que deve ser enquadrado o famigerado e tão badalado corte dos 4.000 milhões de euros na despesa Estado.

Perante números tão esmagadores, tem aumentado a perplexidade em muitos sectores da sociedade portuguesa acerca da eficácia dos sacrifícios que têm vindo a ser exigidos à maioria dos portugueses - aumento do IVA, IRS, IMI, redução de salários e de pensões, cortes nas prestações sociais, redução do tempo de garantia e do valor do subsídio de desemprego, aumento das taxas moderadores, redução nas comparticipações nos medicamentos – dado que o défice do Estado persiste em não diminuir conforme o desejado, a dívida continua a aumentar e a retoma do crescimento económico tarda em chegar.

A história da humanidade está, como sabemos, recheada de períodos de progresso e de crises económicas. O estudo destes fenómenos permitiu concluir que quando se força a redução simultânea do consumo das famílias, das despesas do Estado e do investimento, há um elevado grau de probabilidade de que os resultados sejam contrários aos desejados, na medida em que a única válvula de salvação que resta aos países nesta situação é o aumento das exportações.

Para quem, quem lida diariamente com a vida real das empresas sabe que a substituição de clientes nacionais por clientes estrangeiros é um processo complexo, moroso e que não está ao alcance da maioria das empresas, nomeadamente nas de menor dimensão. Na verdade, a esmagadora maioria das empresas portuguesas está nesta situação uma vez que são micro e pequenas empresas que não detêm estruturas apropriadas para conseguir exportar.

Chegados aqui, observo com enorme perplexidade o comportamento da classe política em especial dos responsáveis dos dois partidos do arco da governação. Esperava-se que, face a tamanho desafio com que Portugal está confrontado e à crescente frustração que se está a apoderar da maioria dos cidadãos portugueses, colocassem os interesses nacionais e dos mais desfavorecidos, como centro principal das suas preocupações. Infelizmente, não é isto que está a acontecer.

Enquanto uns persistem em vender a ilusão de que estamos no caminho certo, ignorando a clara contradição de tal discurso com a degradação acelerada das condições de vida dos cidadãos, outros continuam a desvalorizar as suas responsabilidades pela situação actual devido a opções tomadas enquanto foram governo.

É minha convicção, de que vamos precisar de mais tempo, mais dinheiro, juros mais baixos e, eventualmente, de perdão parcial de dívida. No entanto, tais medidas só por si não serão suficientes. Precisamos igualmente de definir um novo rumo que galvanize o melhor que há em cada um dos portugueses tendo em vista encetarmos uma mudança pessoal e colectiva. Urge identificar e promover a implementação de medidas que nos mobilizem de forma positiva, tendo em vista sermos mais coerentes, e exemplares nos comportamentos, para fazermos de Portugal um país mais desenvolvido, mais justo, mais fraterno e mais solidário.

Acredito sinceramente que tal desafio está ao nosso alcance e que é por ele que nos devemos bater e mobilizar com toda a nossa força e determinação. Se assim for, acredito que será possível obter dos nossos parceiros internacionais uma atitude diferente e mais solidária.

Abel Pinto

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