domingo, 25 de março de 2012

2012-mar-25
Ref.ª: 2.6
CONSUMA AGORA E PAGUE DEPOIS

A justiça não é tratar toda gente por igual, mas cada um segundo as suas necessidades e a partir das suas possibilidades. Governar consiste no desenvolvimento e concretização desta ideia. Parece simples mas não é. Será que a grande diferenciação salarial seja um mecanismo de justiça? É sobretudo nos buracos orçamentais gigantescos, só para falar ao nível da saúde e da educação, que está a dificuldade. Serão os programas partidários que dizem quantos pobres são necessários para fazer um rico?
Chegámos a um ambiente gerado pelo liberalismo monetário que trouxe uma embriaguez coletiva, um tempo de farturas, em que os bancos fizeram os impossíveis por gerar dívidas de empréstimos junto dos seus clientes, com a promessa e o cumprimento de créditos fáceis, tudo isto diante de um silêncio estranho por parte da tutela e dos bancos centrais. Uma falha tanto maior quanto menos se zelou pelos interesses dos mais incautos, incapazes de resistir à onda avassaladora do «consuma agora e pague depois». Tudo foi consentido, e chegou-se ao ponto de não se fazer perguntas acerca da dimensão ética da proveniência do dinheiro e sobre a possibilidade de manter os índices de consumo àqueles níveis. E assim chegámos à situação presente. Agora, resta fomentar e viver uma política de educação para o consumo. A Comissão Nacional Justiça e Paz lançou mesmo um apelo à «mudança de vida» pessoal e coletiva, afirmando que «Ninguém está isento de trabalhar por medidas mais justas e eficazes, designadamente no sentido de uma decidida promoção do crescimento económico, dependente não só do Estado mas também da iniciativa privada»
Sabemos que há uns mais culpados que outros… mas aqui não há inocentes! Uns por ação, outros por omissão, uns por conveniência pessoal ou compadrio, para defesa dos seus interesses, outros por incapacidade…, todos somos culpados. Não é fácil resistir à tentação do paraíso terrestre. Os estados falharam ao confiarem cegamente nos mercados. E os mercados fizeram o seu caminho de loucura pelo «ter».
Então, a resposta tem de ser coletiva, apesar da incúria política. Daqui decorre que pagarão muito mais, ou mesmo tudo, aqueles que menos culpa têm da situação. Todos os que «estragaram» devem ser chamados a «consertar», só que, tal como estamos a ver cada dia que passa, temos o princípio da subsidiariedade invertido, vão ser «os muitos» a pagar o «muito» de que poucos se aproveitaram.
Vivemos um tempo de crise, um tempo de oportunidades. Crise quer dizer rutura, fim de ciclo, início de novo tempo de purificação, destruindo o velho para renascer o novo. Por tanto se falar em crise, tendemos a pensar exclusivamente na económica, esquecendo o mais importante que é precisamente a possibilidade de encarar todas as crises como oportunidades. Somos vítimas do instinto natural de autodefesa que nos projeta sempre a buscar espaços de segurança económica e a impedir-nos de olhar mais além. Mas é tempo de ir mais longe, de ir ao essencial do «eu» e do «outro», num esforço consciente, coletivo e concertado do «nós». É tempo de trazer para a rua a revolução dos «não violentos», antes que sejam os violentos a trazer a revolução para a rua. Este é o tempo de as pessoas irem ao fundo de si mesmas, ao fundo do mundo pessoal e coletivo. Aí que estão os nossos sonhos, esperanças e necessidades. Temos de ultrapassar o medo, o circunstancial, para chegar ao essencial. E há tantos medos!!! do fracasso, do desemprego, da solidão,… O medo é assustador e irracional, nasce do subconsciente e alimenta-se da emoção. Combater o medo, acreditar e construir o futuro com esperança, é o caminho por onde temos de começar e prosseguir em frente sem parar.
Alberto Lopes Gil
(Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz)
Publicado no Diário de Coimbra em 2012-mar-25

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