domingo, 11 de março de 2012


2012-mar-11
Ref.ª: 2.6
Os Deveres Adquiridos
O apelo aos “direitos adquiridos” inscreve-se hoje no diálogo social como referência e suporte de cidadania. Normalmente o apelo a tais direitos tem na sua génese a defesa de interesses patrimoniais cuja erosão se pretende prevenir e traduz-se numa exigência perante o Estado ao qual se atribui a função de seu principal provedor. A tutela de tais direitos é, então, apresentada como elemento nuclear na relação entre o Estado e o cidadão e a sua infracção encarada como quebra da lealdade institucional e atropelo insuportável de expectativas legitimamente adquiridas.
A forma como se configuram os fundamentos da doutrina dos direitos adquiridos num Estado de Direito, ou a sua equação num período de crise social e económica, são questões que assumem uma importância fundamental nos dias que correm. Porém, para além das mesmas, existe um outro lado da questão que, normalmente, está ausente das nossas preocupações, e que se situa na circunstância de os mesmos “direitos adquiridos” terem uma contrapartida nos “deveres acrescidos” que também fazem parte do nosso património como cidadãos.
Na verdade, o contrato social que configura a nossa forma de estar na comunidade não é apenas um manancial de direitos, ou um catálogo de prerrogativas, mas, também uma forma responsabilidade perante os outros e perante a comunidade. Podemos filiar aqueles deveres nos valores impostos pela nossa consciência, ou ditados pela lei que nos vincula, mas que eles existem, existem!
Temos deveres para com aqueles que nos rodeiam os quais se revelam na procura do bem comum como valor fundamental na construção de uma sociedade mais justa. A superação das injustiças, qualquer que seja a forma como se apresentam, é um imperativo de cidadania e de solidariedade. Na família, ou na comunidade, a nossa existência está incindivelmente ligada com a de todos os Outros numa amálgama de direitos e deveres recíprocos.
Temos deveres para com o futuro, e para com os que nos irão suceder no tempo, legando-lhes uma sociedade mais desenvolvida, e justa, e não uma sociedade em que os direitos adquiridos que reivindicamos têm, muitas vezes, a correspondência nos deveres acrescidos que impomos aos nossos sucessores.
Temos deveres para com a sociedade organizada, para com o Estado, procurando o melhor do nosso empenhamento numa cidadania activa na sociedade civil. O exercício politico é uma das formas mais nobres de tal actividade desde que subordinada a uma ética e a valores. Como afirmava Aristóteles o objecto principal da política é criar a amizade entre membros da cidade ou, por outras palavras, é a existência de um espaço de iguais, colocando em comum a virtude ética na construção da “res publica”.
Tais deveres, e outros tantos se poderiam enumerar, não são um mero exercício teórico e a forma como os mesmos são encarados modela a sociedade que construímos. A afirmação da sua existência pressupõe um ideal do bem comum que deve estar presente em cada cidadão e repercute-se na forma como se transmitem valores ás novas gerações. Na verdade, devemos interrogarmo-nos sobre qual o papel da Escola e a Família como transmissores de valores; sobre a nossa capacidade, como sociedade, de abdicar de interesses em função da “res publica”;sobre a solidariedade que é devida aos Outro; sobre o valor de conceitos como o de Pátria ou de Honra com base nos quais também construímos a Nação que somos; sobre os mecanismos eficazes para a responsabilização daqueles que ignoram, ou ignoraram, a ética republica e utilizam, ou utilizaram, o poder em benefício pessoal; sobre o vazio que existe na aprendizagem da cidadania,
Ao formular tais interpelações estamos a questionar-nos sobre a forma como cumprimos deveres que também são nossos e crescem ao lado dos tais “direitos adquiridos”.

José Santos Cabral
(Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz)
Publicado no Diário de Coimbra de 2012-mar-11

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