domingo, 6 de maio de 2012

2012-maio-06
Ref.ª: 2.6
Sol na eira e chuva no nabal - Seguradoras de vida

Quando celebramos um seguro de vida, raramente é pedida informação sobre o nosso estado de saúde. Ao contrário, quando o segurado falece dentro do prazo de garantia do contrato, os beneficiários do seguro são confrontados, quase sempre, com a necessidade de apresentar à companhia de seguros um relatório clínico exaustivo sobre a causa de morte, incluindo a data do diagnóstico da doença causadora da morte, como condição de pagamento da prestação devida.
Quando o médico assistente ou o serviço de saúde depositário dos dados faculta a informação pedida, sem se aperceber da sua natureza reservada, os beneficiários do seguro apenas terão que aguardar a elaboração do relatório solicitado, habitualmente muito demorada.
Efetivamente, estes dados só são, em princípio, acessíveis a outras pessoas sob autorização expressa e válida do doente. Assim, o médico ou o serviço de saúde tem de recusar a satisfação do pedido, para cumprir a lei e as determinações da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), pois esta entidade considera que a autorização de acesso aos dados de saúde do segurado após a morte carece de validade, mesmo que conste do contrato de seguro (lá pelos meandros do seu clausulado minúsculo).
No entanto, de acordo com a Comissão de Acesso aos Documentos da Administração (CADA), os dados em causa podem ser colocados à disposição da seguradora ou dos beneficiários do seguro, pois esta entidade encara a questão como mero acesso a documentos da administração, valorizando mais os interesses das seguradoras do que a proteção da confidencialidade dos dados pessoais do segurado e dá, normalmente, parecer favorável a estes pedidos.
Por sua vez, o Instituto dos Seguros de Portugal, entidade reguladora desta atividade económica, quando chamado a intervir, limita-se a prometer esforços no sentido de encontrar equilíbrio na satisfação dos interesses de ambas as partes.
Assim, enquanto a CNPD, a CADA e o Instituto dos Seguros de Portugal se mantiverem no cómodo cumprimento das suas (in)competências, os beneficiários dos seguros de vida ficam à mercê da recusa do pagamento das prestações a que têm direito, com o pretexto, por parte das seguradoras, de que houve sonegação de informação de risco, ligada à ocorrência de doença após a data da celebração do contrato, ou porque falta o relatório clínico ou, na melhor das hipóteses, ao seu pagamento muito tardio.
Nestas circunstâncias, as seguradoras estão sempre bem, com sol na eira, proveniente dos rendimentos das aplicações financeiras que vão efetuando, à custa da chuva no nabal, proveniente dos prémios pagos pelos segurados, ao que acresce o proveniente do que deixam de pagar aos beneficiários e que o segurado pensava garantir-lhes à sua morte prematura.
Quanto tempo será preciso esperar para que a CNPD, a CADA e o Instituto dos Seguros de Portugal ajustem os seus entendimentos e promovam o equilíbrio dos interesses e forças em jogo de modo a evitar-se o esmagamento dos beneficiários dos seguros de vida perante o poder das seguradoras, bem como os constrangimentos dos serviços de saúde perante orientações contraditórias sobre os mesmos casos concretos?

Carlos Paiva
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-maio-06)

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