domingo, 17 de junho de 2012

2012-jun.-17
Ref.ª: 2.6
Do direito à segurança II
A segurança é um dos temas em que se reflete com maior intensidade a forma como evoluiu o pensamento das sociedades democráticas, alterando o próprio modelo de Estado que tínhamos por adquirido há largos séculos. Este, nas sucessivas conformações que apresentou, coloriu de forma diversa a noção de segurança, que situou em patamares tão distintos como tarefa do soberano ou direito constitucional, passando pelo direito à proteção.
Tal constatação pressupõe, também, uma gama de novas interpelações que agora nos são colocadas, sendo certo que o declinar do século XX continha já o esboço de questões tão prementes com as derivadas de uma globalização inevitável ou das múltiplas interpelações de uma sociedade de risco.
Porém, é o 11 de Setembro que marca uma mudança profunda de paradigma, com reflexos profundos nos conceitos de segurança externa ou interna e, até, na forma de encarar os desafios que são lançados ao Estado de Direito com a menorização do princípio da culpa e a valorização de conceitos como segurança preventiva ou medida de segurança.
Paralelamente, recrudescem as pulsões de uma sociedade em crise, em que a violência atingiu, por vezes, o extremo, colocando em causa os próprios alicerces do Estado. De Paris, em 2005, a Londres, em 2011, passando por Atenas, em 2008, a violência urbana tornou-se um fenómeno cíclico de sociedades em que a anomia se combina com a crise económica e social. A delinquência urbana, as incivilidades, a revolta urbana são faces diferentes de uma realidade complexa, em que fatores sociais e económicos, variáveis e dependentes da latitude e longitude, convergem, todavia, no apontar de denominadores comuns.
E se a teoria das probabilidades nos informa quão remota é a possibilidade de tais fenómenos nos afetarem diretamente, não deixa de ser uma realidade a forma como alteram a nossa forma de vida, criando uma especial atenção para a segurança e criando o campo ideal para o avanço de novas formas de controlo.
A segurança de que falamos é uma segurança coletiva, que se reflete no nosso viver comum, quer no âmbito externo, quer no interno. Existe, ainda, uma outra dimensão, que não pode estar afastada da análise do conceito de segurança, dimensão essa que vai ao encontro da sua função nuclear como direito positivo à proteção contra tudo o que viole a esfera pessoal, ou patrimonial, de cada um.
A segurança não é, não pode ser, apenas um direito à “garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões”, ou seja, mais uma garantia de direitos do que um direito autónomo. A sua concretização tem fundamento, e a sua causa de existência, nos próprios direitos pessoais enraizados na promoção do respeito da dignidade da pessoa humana. É um direito do cidadão e, paralelamente, é também um dever do Estado, a quem compete garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático – al. b) do art. 9.° da CRP.
Porém, os dias que correm exigem uma outra configuração do direito à segurança com uma amplitude muito mais vasta do que a mera exigência da salvaguarda de pessoas e bens. Na verdade, a segurança coloca-se hoje em relação à forma de construir o futuro e de gerir as legítimas expectativas dos cidadãos, exprimindo-se no nosso quotidiano e na capacidade de satisfação das necessidades mais básicas que vão desde a alimentação á saúde. Necessitamos de saber aquilo com que podemos contar e se os planos que, com legitimidade, construímos ao longo da vida não são derrubados à nossa revelia e sem razão legítima. A segurança surge aqui como um sinónimo de garantia de procura de uma estabilidade mínima, que em primeira linha é ónus do Estado, com a qual o cidadão comum possa contar na gestão da sua vida.
Infelizmente os últimos anos constituem um paradigma do que é o ruir de muitos sonhos, alimentados legitimamente por cada um no decurso dos anos, e a substituição de uma sensação de conforto e segurança no futuro, pelo receio sobre o que este nos pode trazer. O direito á segurança é, também, e nesta perspectiva, o direito ao futuro.
José Santos Cabral
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-abr.-29)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...