domingo, 15 de janeiro de 2012

2012-jan.-15
Ref.ª: 2.6
Solidariedade é determinação

Ensina a Didaskalia cristã (séc. III) que “é preferível morrer de fome do que aceitar algo dos ricos que cometem injustiças”. A força deste texto está em que muitos cristãos eram tão pobres que morreriam mesmo de fome se não aceitassem tais esmolas. Por isso, provavelmente aceitavam (sendo conhecidas honrosas exceções), dando expressão concreta ao grito de Amós uns nove séculos antes: “os tempos são tão maus, que o mais prudente é ficar calado”. E quem poderá julgar aquele que cala a sua dignidade a troco de um pedaço de pão?! Se “a esmola queima a mão do pobre” (Helder Câmara), a fome queima-lhe a vida toda.
Vivi o último Natal mergulhado nestes pensamentos, numa dolorosa tensão interior entre a defesa da dignidade dos empobrecidos e a aceitação “cautelosa” de tantas ações solidárias. Mas, talvez agora, passada essa onda de tanto bem fazer aos pobres, ou de tanto pedir a favor das muitas associações de bem fazer, possamos falar mais serenamente.
Desde logo, a solidariedade não é um comportamento, menos ainda um espetáculo, ou alguma campanha, e muito menos ainda um promissor campo de negócios, com vantagens publicitárias e fiscais. A solidariedade é uma atitude que gera permanentemente comportamentos de amor, mas nunca é redutível a comportamentos ocasionais, nem sequer a um somatório dos mesmos. A solidariedade “é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum” (João Paulo II); é um modo de estar na vida e no mundo; de ser pessoa e cidadão e marcar as estruturas sociais, económicas, políticas e culturais com essa atitude de proximidade amorosa e libertadora dos outros, a partir dos outros e com os outros. O resto corre o risco de ser solidariedadezinha, amesquinhamento da dignidade do outro.
Evidentemente, a solidariedade como estilo de vida exige partilha de bens. E como nos lava a alma conhecer tanto gesto generoso de partilha! Aceito mesmo a distribuição festiva de cabazes de natal; quisera até que fossem “cabazes” esbanjadores! Mas a solidariedade não pode omitir-se da luta pela justiça e da transformação das estruturas que empobrecem muitos a favor de uns poucos. E como dói também na alma ver tantos organismos com real poder social, económico e político mais preocupados em publicitar os seus “cabazes” (!) do que em estudar e realizar medidas consistentes de combate à pobreza. Essa, sim, é a verdadeira medida da solidariedade que lhes é exigida. Porque a cada um é pedido conforme o que lhe foi confiado.

Carlos Neves
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-Janeiro-15)

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