domingo, 22 de janeiro de 2012

2010-jan.-22
Ref.ª: 2.6
O Tempo do Direito

As sociedades laicas, que inventaram os Direitos Humanos -edificados, pela primeira vez na História, a partir dos direitos do indivíduo - continuaram, por muito tempo, a manter a chama do dever como exigência de cida­dania. Porém, as nossas sociedades de consumo-comunicação de massas deixaram de exaltar sistematicamente os manda­mentos difíceis, funcionando, quantas vezes, fora do dever e da obri­gação moral exigente.
Reconhecemos, ainda, os deveres negativos, como não roubar, não matar, não causar sofrimentos. Mas já não o faze­mos quanto aos deveres positivos regulares e sistemáticos. Correlativamente, desejamos normas morais indolores à “la carte”. Admitimos a possibilidade de clonar, de ajudar a morrer, de impedir de nascer, de contratar a paternidade, de manipular, ao nosso gosto, as leis da Natureza, etc. A Lei é adapta-se aos nossos interesses individuais e perdemos em termos de ética da responsabilidade, e solidariedade, o que, ilusoriamente, ganhámos na afirmação egocêntrica do Homem como centro do mundo, olimpicamente indiferente ao bem comum.
A ausência de valores, ou o seu relativismo, tornou comum o recurso aos tribunais como definidores dos crité­rios que deixaram de estar inscritos nas consciências. A justiça tornou-se uma referência do quotidiano e é aos tribunais que se pede, muitas vezes, a definição do que é certo e errado, pois que tal tarefa não pode ser alcançada num universo de relativização de valores, típica do denominado pós-modernismo.
A própria família clássica não resistiu à usura do tempo, surgindo um novo modelo em que se coloca, muitas vezes, em crise o cumprimento de funções essenciais, nomeadamente educativas, havendo a necessidade de recorrer a um terceiro (o juiz) para atenuar as tensões existentes no seu núcleo mais íntimo.
O recurso ao tribunal surge, cada vez mais, como uma forma de o indivíduo afirmar a sua titularidade de direitos, tentando obter o reconhecimento da sua identidade, do seu território e da sua própria individualidade. Acresce que o aumento de tal apelo aos tribunais, como forma de regulação social, além de favorecido pela ausência de referências éticas e morais, foi impulsionado pelo desapa­recimento dos mediadores sociais tradicionais, aos quais era reconhecida uma autoridade natural - familiares, religiosos, sindicais e políticos -, assim como pela desumanização das grandes concentrações urbanas e pela quebra nas relações interpessoais.
Porém, a resposta a muitas das questões para as quais se recorre aos tribunais deve estar, em primeira linha, na nossa reta consciência, tendo a coragem de assumir valores que são imutáveis e que estão para além da voragem do tempo. Como afirmava Soljenitsyne uma sociedade em que não existe uma balança jurídica imparcial é uma coisa horrível. Mas uma sociedade que não possui senão uma balança jurídica não é verdadeiramente digna do homem.
José Santos Cabral
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-Janeiro-22)

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