domingo, 19 de fevereiro de 2012

2012-fev.-19
Ref.: 2.6.
Fraude académica – o crime compensa?
Se tivermos em consideração que cerca de 70% dos 5403 estudantes do ensino superior inquiridos em 2011[1] afirmaram ter copiado em exames, e que “apenas 3,4% foram apanhados”, parece óbvio concluir que, na fraude académica, o crime compensa. Conclusão que mais reforçada fica com a resposta dos 68,4% que admitiram que, relativamente ao último exame escrito realizado, teriam obtido nota mais elevada caso copiassem. Parece claro, pois, que compensa! Mas será a questão assim tão simples?
Embora a fraude académica seja um tema recorrente nos fóruns de discussão das universidades (e quase todos critiquemos a generalidade dos métodos, mais ou menos ilícitos, que enviesam uma apreciação justa do trabalho académico), a benevolência com que tratamos os prevaricadores torna cada vez mais difícil a tarefa de ser aluno e/ou professor em momentos de avaliação.
Atualmente, vivemos num impasse: enquanto alguns apoiam medidas de fiscalização mais duras, outros apelam à responsabilidade dos intervenientes. Todavia, nada parece atenuar o crescimento deste fenómeno, que contamina gravemente o relacionamento pessoal e científico no seio da universidade e inviabiliza a colaboração solidária e justa entre investigadores, professores e alunos.
Todos os anos, enquanto professora, me deparo com este problema e me interrogo sobre como devo atuar para ajudar a inverter tal situação. Numa época em que acabo de corrigir várias centenas de provas escritas, e de responder a um inquérito que se insere num projeto do CES[2], coordenado por Filipe Almeida (FEUC) – e que pretende analisar «A ética dos alunos e a tolerância dos professores e instituições perante a fraude académica no ensino superior» -, retomo, renovadamente, as questões de sempre.
Como estranhar que um jovem adulto encare com alguma naturalidade a compra de um trabalho ou relatório final, ou até, mesmo, de uma dissertação de mestrado ou de doutoramento, se, durante todo o seu percurso escolar, alguém (familiares ou explicadores) o substituiu na execução dos trabalhos de casa? Como ignorar a indignação dos alunos perante as cábulas dos colegas e a indiferença do professor vigilante? Como não compreender a perplexidade de quem se inscreve numa disciplina programada para funcionar em 15 semanas, mas cujas aulas são, afinal, compactadas no último mês do semestre?
O que fazer perante o que parece depender apenas de cada um de nós?
Como explicar, de forma eficaz, que a fraude pode dar origem a um pequeno sucesso imediato, mas compromete gravemente o comportamento futuro de quem a comete?
Desde sempre acreditei que aceitar ficar refém de estratagemas - mais ou menos legítimos - para conseguir uma classificação que deve ser resultado do meu trabalho e empenho equivale a optar por não cultivar a minha autonomia mental e, assim, contribuir para um futuro recheado de medos e inseguranças. Isto porque nunca saberei se conseguirei alcançar sucessos de forma autónoma e livre (dado que não o experimentei no passado) e, além disso, porque recearei o êxito dos que me rodeiam.
E devo esta atitude a várias pessoas que me impressionaram – e continuam a impressionar – pelo seu comportamento solidário, exigente e justo, desde logo familiares e amigos, também professores e alunos.
Por acreditar que a riqueza do mundo universitário – no qual nos devemos afirmar pelo empenho e capacidade de trabalho, valorizando todos os talentos e preservando a nossa identidade – passa pela honestidade de comportamentos, penso, estou segura de que, mais do que soluções rápidas e de pronta execução, merecem o nosso aplauso e reconhecimento aqueles que, optando com seriedade pelo caminho mais justo e leal, também com certeza mais difícil, são exemplo de sucesso gratificante e sustentado para os outros.

Maria Teresa P. Lima
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
Publicado no Diário de Coimbra de 2012-fev.-19


[1] No âmbito do projeto «Integridade académica em Portugal», liderado pela Universidade do Porto.
[2] Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

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