domingo, 26 de fevereiro de 2012

2012-fev.-26
Ref.ª: 2.6
EU TAMBÉM SOU GREGO

Não há dúvida de que os políticos e muitos cidadãos gregos tiveram responsabilidades grandes na sua actual situação. Mas acusá-los de tudo, ignorando os factores externos, e obrigá-los a ir empobrecendo para além de um mínimo humano, sobretudo os das classes mais “baixas”, para que os bancos credores dos países ricos não sejam penalizados, é não só faltar à verdade histórica mas também uma irresponsável manipulação dessa “matéria altamente inflamável que são os povos, a sua vontade, o seu orgulho, a sua memória, a sua rebeldia, a sua sobrevivência” (B.-H. Lévy). Os “donos da Europa” têm vindo, com a conivência explícita ou envergonhada de muitos parceiros, a humilhar os gregos. Por isso, as manifestações de rua não se devem a alguns extremistas, mas são a luta desesperada de um povo contra o sofrimento insuportável que está a degradar cada vez mais a sua coesão social.
Neste quadro muito simplista, gostaria de enxertar duas observações.
É já mais que tempo de perceber, com seriedade e abandonando álibis, mesmo justificados, dos muitos erros regionais, que a Europa está a passar por uma crise de identidade, a cuja resolução deve dar a máxima prioridade. É urgente mobilizar governantes e também os cidadãos de todos os países, ricos e pobres, em pé de igualdade, para um amplo debate sobre a reconstrução da Europa na fidelidade ao seu património histórico.
A segunda tem a ver connosco, portugueses. É o meu grito de vergonha contra o modo como nos comportamos. Sabemos que os ricos são incapazes de ser solidários com os pobres: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha”. Esta afirmação nada tem a ver com uma suposta luta de classes, mas com a minha convicção profunda de que a solidariedade não é “um sentimento de compaixão vago e um enternecimento superficial”, mas “a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, isto é, de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos” (João Paulo II). Assim, a solidariedade dos ricos, especialmente países, é quase sempre uma ego-solidariedade interesseira e humilhante (“de cima para baixo”) e a recusa de solidariedade dos pobres para com os pobres torna-se uma disfunção de carácter. O que me choca é este esforço titânico dos nossos governantes, apoiado por muitos cidadãos, para deixar claro que “não somos a Grécia”. Ora é nos momentos difíceis que se manifesta a solidez da solidariedade. E nós que, somos um povo solidário, falhámos especialmente agora: para evitar misturas com os “leprosos” gregos, afastamo-nos deles. Haverá outras razões, mas acho que foi o medo que nos corroeu a solidariedade e nos tornou incapazes de ver os gregos como irmãos em grande angústia, deixando-os a sangrar à beira do caminho para ir lamber as nossas feridas para bem longe deles.
Para lá disso, a solidariedade é um dos valores que pertence à essência da Europa, da “velha” Europa e, espero, da futura Europa. E só pobres-solidários podem converter ricos-egoístas aos verdadeiros valores humanos, sem os quais a Europa nunca será Europa.
José Dias da Silva
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado Diário de Coimbra de 26.Fev.2012

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