domingo, 5 de agosto de 2012

2012-ago.-05
Ref.ª: 2.6
A Indiferença
Os tempos que correm são férteis no suscitar de dúvidas sobre o futuro de uma sociedade cuja solidez e estabilidade se assumiam como adquiridos.
Na verdade, é certo que as sociedades ocidentais consagram a democracia social e económica e ponderam a consagração de direitos de terceira geração numa dinâmica de afirmação do Homem na sua dimensão plural e na relação com o ambiente e com o espaço que o rodeia. Porém, paralelamente, noutras latitudes e longitudes, numa dimensão totalmente distinta e inversa, a afirmação de uma globalização sem regras, imparável no seu desenvolvimento avassalador, trazendo consigo uma enorme sombra sobre formas de estar e viver de direitos e deveres que tínhamos por conquistados de forma irreversível.
Para nossa desventura a afirmação da democracia social (o denominado SozialStaat) pressupõe uma estrutura económica que só é possível de sustentar numa ordem mundial em que as regras sejam uniformes e justas. Neste momento, por toda a Europa, ecoam vozes reclamando a manutenção de um Estado Social cuja viabilidade depende da disponibilidade para afetar os necessários recursos económicos e sociais. Porém, estes são cada vez mais escassos e a realidade das leis do mercado é inexorável: quem produzir mais, e com menos custos – inclusive sociais – domina a economia e essa linguagem não se compadece com conquistas sociais que tínhamos como realidade imutável.
Antecipamos uma nova era recheada de sobressaltos sociais e económicos em que os decisores irão ser solicitados a proteger um catálogo de direitos que cada cidadão revê como seu património, mas que correspondem a uma construção social que começa a ruir por falta de sustentação. Aos tribunais irá ser solicitado o papel de amortizador das tensões que, inevitavelmente, vão advir de um processo, imposto pela crise económica, de redução do Estado Providência ao seu núcleo essencial.
Mas se essa tendência de moderação de conflitos sociais é resultante de alterações deste iniciar de século XXI em que está inscrita a marca genética da globalização, não é menos certo que outras nuvens escurecem o horizonte, requisitando uma atenção redobrada na defesa de princípios fundamentais que constituem fundamento do Estado de Direito. Na verdade, com os acontecimentos de Setembro de 2001, inicia-se um novo ciclo histórico com a reformulação de conceitos do domínio do controle social e do espaço das liberdades e direitos colocando em causa aqueles princípios.
Perante tal quadro quedamo-nos perplexos sobre a forma de enfrentar o presente e olhar para um futuro que se antevê pleno de sobressaltos. A resposta começa necessariamente em cada um de nós e na força das nossas convicções assumidas de forma livre, e esclarecida, num diálogo público eticamente informado com uma finalidade última que é o bem comum. Na verdade, mais do que a crise económica e financeira, vivemos uma crise de valores cuja superação só é possível pela coragem cívica forjada na ética dos comportamentos.
Nos dias que correm não é possível a indiferença face às mudanças que passam perante os nossos olhos. Como, já em 1978, previa Soljenititsyne, o mundo, hoje, se não está em vésperas da sua própria perda, está, pelo menos, numa viragem da História que, em importância, nada cede à da Idade Média ou à da Renascença: esta viragem exigirá de nós uma chama espiritual, uma subida para uma nova altitude de vistas e para um novo modo de vida em que a nossa natureza física terá deixado de estar entregue à maldição como na Idade Média mas na qual a nossa natureza espiritual terá também deixado de estar calcada aos pés como na era moderna.
Concluindo, ainda, com o mesmo pensador aquela subida é comparável à passagem dum grau antropológico para outro. Ninguém, na Terra, tem outra possibilidade senão subir cada vez mais alto.
José Santos Cabral
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-agosto-05)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...