domingo, 29 de julho de 2012

2012-jul.-29
Ref.ª: 2.6
A Verónica e a Márcia
A Verónica foi mãe pela primeira vez há 5 meses; ao regressar ao gabinete, viu o seu lugar dispensado, supostamente por falta de trabalho, mas realmente por ter sido substituída por uma outra jovem a fazer um programa de estágio profissional remunerado; na outra ponta da linha, a Márcia vê com a angústia a aproximação da segunda semana de agosto, altura em que acaba o seu estágio profissional remunerado, e fica novamente sem dinheiro e sem nada para fazer.
Eu olho para ambas com aquela cara de cidadão ausente, sem nada para dizer diante dos dramas concretos, sabendo que estes nomes e estas situações, com contornos mais definidos ou mais difusos, se multiplicam às centenas, aos milhares; percebendo que há aqui discriminação, talvez exploração, definitivamente ansiedade extrema e insegurança face ao futuro, e que não tenho nas minhas mãos qualquer nenhuma resposta capaz nem na minha boca qualquer nenhuma palavra de esperança convincente para estas duas jovens mulheres.
Não discuto a bondade ou maldade de um Programa como o Estágio Profissional Remunerado. Medidas desta natureza comportam sempre os dois lados da moeda, e são sobretudo boas ou más conforme o uso que se faz delas; mas são medidas inequivocamente curtas, muito curtas, que parecem apenas adiar, iludir, mitigar uma resposta de fundo aos problemas, se tal resposta existe… E eu recuso-me a aceitar que tal resposta não exista! Bem sei que os paradigmas estão todos em profunda alteração, que há os chineses e os indianos, que há os paraísos fiscais e a globalização financeira, tudo isso; mas o homem, que é sempre o homem e a mulher concreto/a, é e tem que ser o centro e o fim de toda a vida económica e social. Porque o social não é só uma questão de estatística; é sobretudo uma questão de vontade.
No fundo, até é simples: temos diante de nós uma realidade e um dever ser. Toda a sabedoria está em ajudar a realidade a caminhar para o dever ser, o que tem, por um lado, exigências éticas e, por outro lado, exigências técnicas: estudo aprofundado, diálogo sério, legislação conforme, fiscalização efetiva, partilha de trabalho e de rendimentos. Eu apenas pediria que quem administra, quem investe, quem governa, quem investiga, quem ensina, quem cria opinião, se preocupasse, de verdade, (também) com o dever ser. Sem este “caldo cultural do dever ser”, todas as medidas degradam em xico-espertice, em exploração dos desgraçados, na lei da cunha e, nalgumas escalas, em pura corrupção.
O QREN traz-nos agora o Programa Impulso Jovem, dotado com 334 M€, e apresentado como “um conjunto de medidas de combate a um dos principais desafios com que Portugal se confronta atualmente: os elevados níveis de desemprego jovem”. Honestamente, em nome da Verónica e da Márcia, desejo e espero os melhores frutos do Impulso Jovem; mas temo que, semeado no velho caldo da xico-espertice, rapidamente se degrade, de um lado, em mais exploração e marginalização, e, do outro aldo, em mais ansiedade e menos futuro.

Carlos Neves
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-julho-29)

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