domingo, 22 de abril de 2012

2012-abr-22
Ref.ª: 2.6
Da imagem à verdade
Ao lado da dicotomia entre o “ser” e o “ter”, que tanto marca os homens e as mulheres do nosso tempo, existe aquela outra entre o “ser” e o “parecer”, aliás, com foros de ciência e excesso de nomenclatura inglesa: marketing, branding, design... Uma das suas manifestações mais comuns são as campanhas eleitorais, onde as ideias cederam lugar ao espetáculo e a imagem dos atores é notoriamente bem mais cuidada do que o discurso. Mas os “corpos de verão”, que brotam por estes dias, em nome da saudável autoestima, não andam longe daqui. Nem as novas doenças tipo anorexia. Nem aqueles dramas de pais, filhos adolescentes e seus pares por causa dos produtos de marca. Evidentemente, os fatos italianos ou o automóvel de luxo, mais do que responderem à necessidade de ser ou de ter, respondem à necessidade de parecer. Do mesmo modo, muito do sobre-endividamento que afeta tantas famílias radica mais na necessidade de parecer do que na necessidade de ter. Os profissionais da área sabem que “a mensagem é o meio” (McLuhan) e que “não compramos produtos, mas marcas”, e exploram esta nossa fragilidade em todos os campos possíveis.
A imagem é um valor inestimável. Mas não é tudo, nem é um absoluto. O monge brioso cuidará, obrigatoriamente, de se apresentar com o hábito em bom estado, lavado, passado a ferro, vincado; mas continua verdade que o hábito não faz o monge. E, sem querer baixar o nível do discurso, verdade será também – como teria lembrado Sólon a Midas – que quanto mais o pavão se emproa, mais põe a cloaca à mostra. Noutra vertente, o sempre desmistificador “princípio de Peter” lembrar-nos-á que a obsessão pela imagem na maior parte das vezes é apenas um recurso para disfarçar a incompetência… Quando o parecer prevalece a ponto de ofuscar ou deturpar o ser, falta a verdade. Antes do parecer deve estar o ser, ainda que a imagem venda mais ou renda mais votos do que a verdade.
Verdade! Devo confessar que foi com surpresa incómoda que vi Bento XVI agarrar-se tanto à “verdade” como uma das ideias estruturantes do seu pontificado. Surpresa incómoda, porque me pareceu fora do tempo, desfasada duma cultura de ontologia predominantemente fenomenológica e moral relativista. E, depois, há um histórico da Igreja que, em nome da verdade, acabou cometendo muitos e graves erros, de que João Paulo II tantas vezes pediu perdão. Mas, se calhar, ao menos na vida comum das sociedades e nas relações das pessoas, era importante dar ouvidos a esta insistência de Bento XVI. Em favor do nosso próprio bem-estar.
Carlos Neves
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-abr- 21)



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