domingo, 29 de abril de 2012

2012-abr.-29
Ref.ª: 2.6
O Direito à Segurança
Qualquer análise sobre segurança urbana tem de conjugar duas realidades que linearmente a decompõem: a delinquência e a urbanização. Constante ao longo da história, o crime urbano encontra-se numa relação directa com o fenómeno crescente e abrangente da urbanização. Cerca de 3,3 mil milhões de pessoas, mais de metade da população mundial, vive em zonas urbanas do planeta. O crescente ritmo de concentração de população – cerca de 50 milhões de pessoas migram anualmente para as cidades e restantes zonas suburbanas – coloca graves problemas de governabilidade e de gestão dos sistemas urbanos. Paralelamente ao crescimento descontrolado dos centros urbanos verifica-se o esvaziamento do mundo rural.
Hoje, o crime, a violência e a insegurança influenciam a organização do espaço urbano, levando, por um lado, à crescente construção de espaços de exclusão afluentes, onde se escolhe viver, protegido por muros, videovigilância ou segurança privada, e, por outro, ao desenvolvimento de espaços de exclusão social, e económica Os “muros” dos condomínios privados materializam uma clara distinção entre a inclusão e a exclusão (entre os amigos e os intrusos) e pretendem proteger os seus residentes das ameaças que já não vêm de “fora da cidade”, mas se encontram na cidade.
Estamos agora no epicentro de uma crise económica de dimensão planetária e não é preciso grande rasgo criminológico para vaticinar a dependência entre o ciclo económico recessivo, o desemprego entre os grupos mais vulneráveis e a desigualdade social, actuando como incentivos de actividade ilícita. Tal facto é potenciado pelos estímulos de um modelo de sociedade baseado num consumismo que já não é sustentável económica e socialmente.
Na criminalidade que tem o seu campo de eleição na urbe, importa salientar a forma como a incivilidade entrou no nosso dia a dia. A mesma convoca sinais de deterioração e vandalismo que assinalam aos transeuntes a presença de um perigo difuso nas ruas, nos parques e noutros lugares públicos. Perante a incivilidade, o cidadão comum sente-se afectado na sua segurança face aos comportamentos daqueles que desprezam o sentido da res publica e o respeito pelo outro. Tais comportamentos suscitam nos residentes o sentimento de que o seu espaço está a ser tomado por invasores, que aí se comportam como estando em território ocupado. Quando as incivilidades se tornam uma repetição constante de indiferença pela lei, destroem o frágil equilíbrio existente, assente na confiança que fundamentava o usufruto do espaço público e o convívio dos cidadãos.
Existe uma estreita relação entre a incivilidade e o crime, numa progressão geométrica em que a permanência da sensação de impunidade que permite a prática da incivilidade vai condicionar a posterior opção pela prática do acto ilícito, numa crença de que o risco é pequeno, pois não existe controlo eficaz. Uma comunidade que se revele incapaz de conter a incivilidade não será capaz de controlar o crime que lhe sucede e, no estado de anomia daí resultante, pode acontecer que as barreiras que contêm delitos mais graves tombem sucessivamente.  
Para além da indignação, e da exigência de comportamentos éticos, que cada um de nós tem o direito e dever de exprimir, existe uma resposta institucional que deve conjugar a repressão com a prevenção, mas cuja eficácia depende sempre da existência de um sistema de justiça célere e eficaz.
José Santos Cabral
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-abr.-29

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