domingo, 15 de abril de 2012

2012-abr.-15
Ref.ª: 2.6.
A CENTRALIDADE DA PESSOA

Governar exige sempre dos governantes princípios éticos arreigados. Mas nem sempre assim acontece, sendo frequente a atitude subjacente à famosa resposta de Tatcher, quando foi acusada de não ter princípios: “Não é verdade. Eu tenho princípios e sigo-os desde que não afoguem os meus interesses!”.
Ora o princípio básico e prioritário tem que ser a centralidade da pessoa, da pessoa como membro de uma sociedade. Pensar políticas, elaborar propostas, tomar decisões que não assentem neste princípio dificilmente contribuirão para o minoramento de problemas graves que nos afetam nestes tempos conturbados.
É por isso estranho que os governantes internacionais e nacionais estejam muito mais virados para temas ligados ao dinheiro – pactos de estabilidade ou ajustamento financeiro – do que à realização das pessoas – pacto de crescimento. Certamente que não conhecerão o Evangelho de Jesus Cristo (nem têm que conhecer; pena é que o substituam pelo evangelho segundo Friedman), porque lá se diz claramente que o dinheiro é um deus (“não se podem servir a dois senhores”), que impõe regras absolutas que os seus servidores cumprem religiosamente.
Vem isto tudo a propósito das nossas políticas. A centralidade da pessoa é esquecida perante a imposição dos défices, da austeridade férrea, do corte de subsídios e salários, etc.. Era bom que nos explicassem melhor como vai tudo isto servir as pessoas. Que garantias temos de que não serão repetidos os erros do passado? E quando teremos frutos compensadores?
É que esta é uma questão muito mais estrutural que conjuntural. As propostas de resolução dos desequilíbrios orçamentais vêm sempre dos economistas, que só falam de dinheiro: a economia comanda a política. Raramente se dá a palavra e são levados em conta antropólogos, sociólogos, filósofos ou místicos que nos falem da pessoa, seus dramas, suas reais necessidades, do seu direito a uma vida digna já a partir de agora. Faltam políticas criativas de crescimento e desenvolvimento. Abundam banqueiros sem qualidades morais que impingiram esquemas alienantes de consumo e agora fazem empréstimos imorais (ou nem os fazem) às PMEs. Multiplicam-se empresários para quem só conta a maximização do lucro pessoal independentemente dos custos sociais e ambientais. Requerem-se sindicatos que não se fechem “prevalentemente na defesa dos interesses dos próprios inscritos, (mas) volvam o olhar também para os não inscritos” (Bento XVI) e trabalhadores que sintam o trabalho como realização pessoal e participação no bem comum e não mero meio de subsistência. Finalmente falta uma sociedade civil exigente e responsável na defesa do serviço público e na partilha dos bens e dons, em gestos de solidariedade e de gratuitidade.
É certo que as questões económico-financeiras são sempre um problema humano e social, pois implicam com a vida das pessoas, mas pelo modo como são tratadas transformam-se “em problema metálico e duro, para o qual só existe uma, e única, solução”, que, uma vez imposta, “ um pretenso pragmatismo se encarrega do resto, retirando da arena do debate valores, teorias e ideologias subjacentes às políticas propostas ou impostas” (Bruto da Costa), onde o único ator é o dinheiro, onde as leis que são para todos sofrem constantes exceções, onde os pobres são sempre os mais penalizados, onde o índice de sofrimento, mesmo numa taxação proporcional, é sempre maior para os que possuem menos, onde a pessoa é mais taxada que o capital.
Esta mentalidade revela um perfeito desprezo pela centralidade da pessoa, uma ideia estruturante da Doutrina Social da Igreja. Para superar este estado de espírito é urgente que todos nós, a todos os níveis da sociedade, criemos, em conjunto, as condições que permitam às pessoas readquirir confiança e esperança, despoletar as suas energias mais profundas e produtivas, torna-las agentes positivos na resolução da crise, sentindo-se, assim, úteis e, sobretudo, pessoas indispensáveis a uma sã cidadania.

José Dias da Silva
Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-abr.-15

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...