domingo, 17 de novembro de 2013

Tribunais e Comunicação Social


Diário de Coimbra, 17.nov.2013

Nos dias de hoje a relação entre Tribunais e Comunicação Social escreve-se de muitas maneiras e com preocupações diversas no que diz respeito à ética e a deontologia. Oscilamos entre a notícia objectiva e o “jornalismo de investigação” isento, tantas vezes importante para a formação de uma opinião pública esclarecida, e a opinião preconceituosa, conduzindo a distorções da realidade. Na primeira vislumbra-se a transparência, e visibilidade, que deve rodear a notícia sobre a actuação dos Tribunais, nele se implicando a crítica fundamentada, que é cimento do Estado de Direito; na segunda, em contrapartida, está latente a deslegitimação, ou erosão, quantas vezes deliberada, do papel daqueles.

A denominada “crise da Justiça” entrou, assim, no léxico comum e começou a ser um tema que, de tanto repetido, se começou a aceitar como verdade irrefutável sem carecer de demonstração. O sistema de Justiça tornou-se a catarse, ou o “pusching ball”, de uma sociedade descontente com ela própria e desejosa de encontrar responsáveis pela situação em que se encontra. Esse desejo, muitas vezes alimentado por uma Informação distorcida, tem por consequência o desprestígio e enfraquecimento da força das decisões emanadas dos Tribunais e, por último, a sua deslegitimação.

Tal constatação não pode, porém, fazer esquecer que muitas das críticas dirigidas ao funcionamento do sistema judicial, e transmitidas pelos órgãos de comunicação social, formatando a opinião pública, são fundamentadas e constituem um contributo positivo de cidadania.

A questão que, então, emerge é do equilíbrio a procurar nesta relação ente Comunicação social e Justiça e relativamente á qual muitos alimentam um pensamento de desânimo. Efectivamente, medias e Tribunais vigiam-se mutuamente pois que a missão da imprensa é informar de forma crítica e nesse exercício compreende-se a Justiça. Por seu turno a esta compete garantir a cada cidadão a presunção de inocência e o direito a um processo justo. Esta tensão faz deflagrar um paradoxo para os cidadãos num Estado de Direito pois que se, por um lado, o direito a uma informação livre e crítica é uma das condições de um regime democrático, por outro, o seu exercício pode comprometer um certo número de direitos fundamentais desses mesmos cidadãos como é a presunção de inocência, o respeito pela vida privada ou o direito a um processo justo. A escalada de conflito entre os medias e a Justiça corre o risco de se fazer á custa do cidadão.

Nunca se poderá eliminar totalmente tal tensão porque são inteiramente diferentes a lógica e finalidades que inspiram medias e Justiça. Os primeiros privilegiam a rapidez enquanto que a Justiça adopta um funcionamento lento, e reflectido, pois que o seu objectivo não é a rapidez e o interesse do público, mas a equidade.

Em última análise as divergências resultam das funções diferentes que exercem e não são negativas pois que a imprensa e a justiça não são, nem podem ser, amigos. Quando muito serão parentes distantes entre os quais é preciso manter um diálogo que seja correcto, mas eticamente sem quaisquer concessões, por forma a garantir um equilíbrio fundamental num Estado de Direito. Este pressupõe, que um exercício que, constitucionalmente, é feito em nome do povo, saia do mundo fechado dos Palácios de Justiça, adquirindo uma maior visibilidade junto dos cidadãos, sujeitando-se ao seu escrutínio. Paralelamente, importa que a liberdade de expressão e de Informação sejam o instrumento utilizado por profissionais, obedecendo a uma ética de comportamentos.

Em síntese, a questão nuclear é de encontrar a forma como num espaço público construído de forma tão desigual, é possível transmitir a informação correcta sobre os Tribunais pois que, também esta, fundamenta a sua legitimidade perante os cidadãos. Na verdade, quando se fala sobre o Poder Judicial, ou sobre a crise do sistema judicial, está subjacente a questão da legitimidade do Juiz. Esta adquire-se (ou não) pelo correcto exercício da função dentro dos parâmetros constitucionais e legais.

Se a visibilidade transporta para o eixo do espaço publico os termos em que se processa a administração da justiça tal só poderá contribuir para a qualidade desta, no pressuposto da objectividade e a qualidade da Informação que é prestada.

Ponto é que Magistrados e Jornalistas estejam à altura dos desafios!

PS:-O julgamento do processo BPN começou no dia 15 de Dezembro de 2010 e não se prevê o seu termo. A lentidão, e ineficiência, que rodeia alguns dos processos judiciais com maior relevância não é compreensível ou justificável.

Como em relação a tantos outros processos judiciais, nos quais o decurso dos anos fez perder o sentido, vem à memória o pensamento do Eclesiastes "Tudo tem o seu tempo, o momento oportuno, para todo o propósito debaixo do sol.
Santos Cabral

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