domingo, 22 de setembro de 2013

Portugal, a "loge" da UE?

Diário de Coimbra, 22.set.2013

Fui ver o filme “Gaiola Dourada”, uma película com bons atores, muito aplaudida e elogiada – mas também criticada – e que, tal como se publicita, procura prestar homenagem aos portugueses emigrantes da década de 70. Preparava-me para ter um serão agradável, mas acabei por sair aborrecida, desapontada, com uma sensação de amargo na boca que, no momento, não conseguia explicar.

Mais tarde, percebi que me incomodou constatar que a consideração e o respeito com que os líderes europeus (e não só) olham para Portugal é, em muito, semelhante ao modo como os habitantes do prédio parisiense tratavam a família Ribeiro. Pelo que me proponho, não pôr em causa a qualidade do trabalho de realizador Ruben Alves, antes partilhar a reflexão que me suscitou a história que nos conta.

Embora se justifique dizer que estamos perante uma comédia bem-disposta, com apontamentos satíricos e ternurentos, não concordo nada (mesmo nada) com os que afirmam que vivemos destinados a ser «pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes», condenados a «sacrificarmo-nos generosamente, labutando dia e noite, para cumprir os nossos deveres» pelo bem, alegadamente comum, da Europa.

Do meu ponto de vista, pelo contrário, a situação atual do nosso país desaconselha que este tipo de abordagem humorística apenas nos divirta e, sorrateiramente, nos convide a continuar a pactuar com a forma como os nossos representantes (governo, eurodeputados e outros políticos), considerando ser este o único caminho, ratificam e valorizam as “ordens” que nos são dadas.

No filme, tal como na zona EU, o condomínio é gerido por uma senhora loura de cabelo curto, ali Madame Reichert, que, embora aprecie o zelo e empenho, dedicado e obediente da porteira Maria Ribeiro, evita, a todo o custo, desculpando-se com a crise financeira, qualquer despesa que contribua para a melhoria do rés-do-chão onde esta vive. Todavia, em simultâneo, almejando ficar bem colocada num qualquer ranking (digo, concurso), explora o mais possível a sua boa vontade, exigindo até cuidados reforçados e extremosos para com as flores do pátio.

Esta atitude abusiva é partilhada, em sintonia, por todos os que convivem naquele ambiente. A família Ribeiro parece ter nascido para, discreta e apagada, garantir o conforto dos que a rodeiam. Fazem babysitting, tratam da roupa, cuidam das flores e dos bonsais, distribuem o correio, limpam vidros e metais, consertam a canalização, etc. sempre com uma abnegação e cuidado exemplares. Contudo, ninguém, nem mesmo os familiares e conterrâneos, elogia ou valoriza o seu trabalho até … se verem na eminência de perder tão relevantes préstimos. Os que antes apenas comentavam “trop bon, trop con” (parvos de bons, diríamos nós) percebem que, afinal, grande parte do seu sucesso económico e social depende do trabalho daqueles que consideravam como meros ajudantes, sem entendimento nem liberdade.

Se, na década de 70, a coragem e a tenacidade dos emigrantes é digna de todo o nosso respeito, hoje, numa época em que se apregoa aos quatro ventos as virtudes do empreendedorismo, da criatividade e da inovação, terá sentido exaltar as qualidades da atitude passiva, obediente e subserviente?

Como podemos proclamar, como principais objetivos da União Europeia, a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos povos e, simultaneamente, esquecer o oitavo objetivo de desenvolvimento do milénio (ODM 8) – aquele que, significativamente, está mais longe de ser alcançado – que nos impele a «promover uma parceria global para o desenvolvimento»?

Neste momento – os trabalhos da assembleia geral tiveram início em 17 de setembro – os 193 estados membros da ONU estão a debater o desenvolvimento das nações pós- 2015 (data definida para alcançar os ODM). Este, sim, é um tema que nos envolve e um desafio que todos merecemos discutir. E que devemos enfrentar.

Teresa Pedroso de Lima

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