domingo, 14 de julho de 2013

Os tempos que correm




 Diário de Coimbra, 14.jul.2013
Os partidos políticos são uma das principais formas de organização dos cidadãos e, em princípio, os ideais que estão inscritos na sua matriz genética convocam para as formas mais nobres de conceber, e realizar, o interesse comum. Sendo um poderoso instrumento de domínio social os partidos são, também, o meio adequado para a afirmação duma classe politica que, através do controle do aparelho do Estado, impõe a sua visão sobre o modelo de construção da sociedade.

Porém, cada vez mais o termo político assume um significado polissémico que abrange realidades distintas em que coexistem o sentido mais nobre da palavra e os outros. Neste domínio, num ensaio de 1927 em que está patente o seu fulgor intelectual, Ortega y Gasset estabelece uma tripartição dos governantes que se podem classificar como estadistas, como escrupulosos ou como pusilânimes. O homem de Estado, afirma aquele Autor, deve ter o que chama de "virtudes magnânimas", e não as "pusilânimes", sendo certo que aquelas causam muitas vezes a incompreensão derivadas da sua preocupação com o longo prazo e, consequentemente, toma decisões impopulares a curto prazo, enquanto a maioria dos políticos preocupa-se com resultados imediatos de suas ações. Sinteticamente o Estadista preocupa-se com a próxima geração e o político com a próxima eleição.

Infelizmente as últimas décadas remeteram para os arcanos da história a regra fundamental de que os políticos só têm assegurada sua legitimidade se, e na exacta medida, em que procuram decidir de acordo com o interesse da comunidade. Aquilo que é uma evidência da vida democrática, e que já para os filósofos gregos era uma regra básica na vida da “polis”, está hoje, muitas vezes subvertida pela forma de exercer o poder politico.

Na verdade, são cada vez menos aqueles que, pela dedicação à causa pública, prescindem de ocupações privadas, bem mais lucrativas, e aceitam o desafio de tomar nas mãos a condução do destino colectivo. Pelo contrário a opção pela política é muitas vezes subjugada a interesses que não são nem públicos nem admissíveis ética e legalmente. Em tais casos, o altruísmo político transforma-se numa nova doença do regime democrático que é o “parasitismo politico” e que, na sua forma extrema, implica a “patrimonialização privada” do interesse publico

À medida que cada vez mais actores políticos são o fruto de uma carreira formatada nas juventudes partidárias, sem qualquer aval de uma vida profissional de valia, maior é o perigo de agentes sem valor, e sem valores, utilizarem o Estado como se este fosse o condomínio privado duma classe que, segundo as alternâncias eleitorais, vai sendo gerido alternadamente pelos partidos do poder. A ocupação de cargos públicos em vez de ser o lugar nobre da realização da “res publica” transforma-se num objectivo da luta política, constituindo a recompensa do vencedor destinada ser entregue aos que colaboraram na vitória.

Esta constatação não é o mero fruto do sonho de uma noite de Verão mas, infelizmente, a constatação de um encadear de situações que, ao longo de anos, se tem verificado no nosso País. O lado negro do nosso regime democrático mostra-nos um catálogo de situações em que converge todo o tipo de práticas que, como maior ou menor ilicitude, despontam no espectro da patrimonialização do regime e da captura do Estado por interesses privados.

A falta de preparação e convicções de parte das elites políticas evidencia-se hoje através de uma outra doença evidenciada pela efervescência dos dias que passam. Na verdade, a ausência duma perspectiva de Estado sobre os problemas com que nos defrontamos conduz a decisões em que é patente a irresponsabilidade politica. Esta é tanto mais evidente quanto opções com uma profunda consequência no nosso viver colectivo são tomadas de ânimo leve sem qualquer ponderação sobre os seus efeitos.

Quando constatamos a forma como ao longo de décadas se distorceu o sentido de Estado uma das maiores perplexidades que nos invade é o motivo da deserção de políticos que professem esse sentido mais nobre da Política. Porém, tal constatação não foca sobre algo que nos seja alheio e só acontece porque, ao longo dos anos, pactuamos com a mediocridade e com a indigência moral de alguns responsáveis, premiando quem devia ser penalizado. Perante a História, ao abdicarmos da exigência ética na avaliação dos maus governantes, tornamo-nos cúmplices dos seus actos.

Por contraposição aos dias que passam vêm-nos à memória as palavras com que, noutro tempo, Sá de Miranda se referia aos que tinham por mister olhar os assuntos do Reino: Homem de um só parecer; De um só rosto, uma só fé; De antes quebrar que torcer . Ele tudo pode ser; Mas de corte homem não é. (Carta de Sá de Miranda a D. João III)
José Santos Cabral

Sem comentários:

Enviar um comentário

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...