domingo, 23 de junho de 2013

O prazer das aulas e do estudo

Diário de Coimbra, 23.jun.2013


Nos últimos tempos, vários são os amigos e conhecidos que me perguntam se já me reformei ou se ainda não estou cansada do que faço. Respondo sempre do mesmo modo: enquanto o prazer das aulas e do estudo suplantar as agruras das outras tarefas que me são atribuídas, não pondero sequer tal hipótese. É verdade que comecei a trabalhar cedo, sou professora desde há muito tempo (40 anos de serviço na função pública) e que me sinto bastantes vezes fatigada e desapontada com algumas decisões e opções que temos feito no ensino em Portugal. Mas, devo confessar, escolhi uma profissão que me permite, todos dias, acordar com vontade de continuar.

Na Faculdade de Economia – onde trabalho e reparto atenções entre o estudo da Matemática e a responsabilidade por unidades curriculares daquela área – tenho, desde sempre, ensinado estudantes do primeiro ano, opção que me permite acompanhar os gostos e tendências de cada geração. Tal contacto possibilita constatar que, infelizmente, muitos deles não estão minimamente preparados para entrar no ensino superior, onde se espera que os recém-chegados tenham não só adquirido determinados conhecimentos mas também capacidade para estudar, individualmente e em grupo, e desenvolver trabalho autónomo. 

A que se deve este desfasamento? Julgo que podemos encontrar a sua razão de ser em diversas origens: ou tiveram sempre apoio (explicações ou similar) com o objetivo de atingir um determinado patamar de classificações, não estão no curso que desejam ou, ainda, no pior cenário, estão na universidade porque assim (até) estão moderadamente ocupados num ambiente controlado de companhias e custos. Paralelamente, sabemos existir um grupo, proporcionalmente menor, de jovens muito bem preparados e motivados que, sem receio de acusações de elitismo, deveríamos tratar com maior exigência, sob pena de, passados três ou quatro meses, em vez de incentivarem os restantes colegas a melhorar o desempenho escolar, estarem, também eles, profundamente entediados e desmotivados nas aulas.

Este género de reflexões levam-me a recuar no tempo e recordar parte da minha vivência no ensino secundário.

Sempre gostei de Matemática, embora, nos primeiros anos, as aulas não me entusiasmassem particularmente. Preferia, de longe, as sessões laboratoriais das então chamadas Ciências Naturais.

O meu interesse pela disciplina acentuou-se no antigo 6º ano do Liceu (que corresponderia hoje, grosso modo, ao 10º ano) quando integrei, em 1969/70, uma das turmas-piloto de Matemática Moderna no Liceu Nacional de Santarém. Falamos de uma turma mista (absoluta novidade naquela época), liderada por uma professora exigente e com um programa ambicioso para cumprir. As aulas eram diárias, de segunda a sábado, e o que poderia parecer uma etapa penosa e cansativa revelou-se, para mim, experiência muito gratificante que contribuiu, de forma decisiva, para as escolhas que tenho feito ao nível da minha carreira profissional.

Ao longo desse ano letivo – que foi, assim, tão determinante para o meu futuro – descobri que podíamos estudar Matemática a partir de uma notícia, uma conversa, um livro ou simplesmente de uma ideia que nos estimula a elaborar exemplos, fazer conjeturas, resolver problemas e demonstrar teoremas. Compreendi a importância do domínio de conceitos e técnicas específicas para o desenvolvimento do raciocínio lógico, da intuição, da imaginação e da iniciativa, ou seja, da criatividade, da capacidade crítica e da autonomia intelectual. Experimentei o prazer de atingir resultados inesperados (depois de muitas horas de discussão e pesquisa) e a desilusão do fracasso de uma conjetura que inicialmente parecia promissora. Senti que o êxito daquela equipa dependia do empenho de todos e que a falta ou desinteresse de um elemento comprometia o trabalho dos restantes. E, finalmente, percebi que queria continuar a estudar Matemática.

Foi, também, a partir de então, que comecei a dar o devido valor ao papel dos professores, passando a encará-los como aqueles que, nunca desistindo dos alunos, lhes recordam, com a exigência necessária, que, no quotidiano, embora cada um tenha o seu caminho e a sua missão, todos, mesmo todos, somos responsáveis pela construção permanente do bem comum.

Teresa Pedroso de Lima

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