Diário de Coimbra, 10.fev.2013
No cinquentenário da iniciativa mais marcante da Igreja de Roma nos últimos séculos – o Concílio Vaticano II – Bento XVI convocou os católicos para a celebração de um Ano da Fé, que decorre desde outubro. Mas, claro, o cinquentenário é só um pretexto! O que a Igreja católica está verdadeiramente a celebrar é o desafio de se auto-perceber no primeiro quartel do século XXI.
Para a Igreja a vida não está fácil. Por muitas razões: por resquícios de um ateísmo sistemático dos séculos XIX e XX, por escândalos religiosos como a pedofilia, por uma “concorrência” bastante agressiva de outras agremiações religiosas, por expansão fundamentalista ainda de outras, por alguma cedência dos crentes à privacidade da fé ou à desesperança, e por aí fora… Mesmo quando se evocam alguns países da América latina, da África ou da Ásia como focos de crescimento de padres e freiras…, a sensação de desconforto e debandada prevalece. Até porque continua a ser o Norte a marcar o sentido da evolução cultural do mundo, e no Norte o movimento cultural é de insignificação progressiva da Igreja católica. Ao longo da história, a Igreja enfrentou muitas dificuldades: debateu-se com culturas poderosíssimas que a tinham por inimiga, foi perseguida por forças políticas e servilizou-se a outras, foi confrontada com sucessivas vagas de caos social, foi combatida por filósofos e sábios. Mas sempre ressurgiu mais fortalecida dessas dificuldades: enculturou culturas e aculturou-se a outras, gerou modelos de virtude, foi agente de justiça e de paz, foi pão e saúde para milhões de infortunados, gerou sabedoria e valores universais. De facto, fosse como amiga ou fosse como inimiga, a Igreja sempre teve algum ponto de contacto forte com o mundo! E por esse ponto de contacto se afirmou e se refortaleceu. Só que agora a sensação é a de que não há mais nenhum elo de contacto entre a Igreja e o mundo.
O mundo ignora a Igreja, e a Igreja não está preparada para lidar com essa indiferença. A cultura que omite as perguntas sobre o sentido, as causas ou as finalidades, deixa a Igreja especada no meio da praça com uma “mensagem de salvação” nas mãos a que não sabe o que fazer. A fuga prá sacristia, com profusão de vénias e incenso, torna-se então uma doce tentação.
É nesse ponto que estamos. E é sobre como sair deste ponto que os católicos são chamados a pensar neste Ano da Fé. Ninguém, nem todos juntos, com o Papa à cabeça, tem uma resposta feita. O esforço, para os católicos, tem que ser mesmo coletivo.
Carlos Neves
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