domingo, 15 de julho de 2012

2012-jul-15
Ref.ª: 2.6
A empregabilidade dos cursos e a missão da Universidade
No passado mês de junho as Universidades Portuguesas estiveram em destaque a propósito da empregabilidade dos seus cursos. Títulos como Governo congelou número de vagas para o próximo ano letivo. Universidades obrigadas a provar empregabilidade dos cursos para aumentar vagas, associados a algumas afirmações do Secretário de Estado do Ensino Superior («Os estudantes vão passar a ter os dados da empregabilidade de cada curso, na altura de fazerem as escolhas para o ingresso na Universidade» e ainda «andam mal as universidades que não se preocupem com o que os seus diplomados vão fazer, porque já não há nenhum tipo de curso com emprego garantido»), colocaram de novo a missão das Universidades na ordem do dia.
Paralelamente, se tivermos em conta que as anteriores declarações foram feitas numa conferência sobre Programas partilhados com empresas: Um caminho para o Ensino Superior?, que marcou a assinatura de um protocolo entre a Universidade de Aveiro e o Grupo Jerónimo Martins para a criação da licenciatura em gestão comercial, apetece perguntar: mas, afinal, qual a missão da Universidade?
E é precisamente neste momento que sinto necessidade de lembrar – e reiterar – a minha inteira concordância com aquele membro do governo, quando, em 1995, escreveu «Uma universidade é um sítio onde se estuda. Não é um sítio onde se ensina, muito menos um sítio onde se avalia, muito menos ainda um sítio onde se passam diplomas». E continuava: «Sem dúvida que ao terminar o seu curso o licenciado procurará uma profissão. Mas a universidade não deve ter da sua ligação ao mercado de trabalho uma visão demasiado estreita e a curto prazo. A universidade não forma técnicos, mas sim indivíduos cultos, pessoas com boa preparação de base e autonomia intelectual, que podem esperar mudar de ocupação várias vezes ao longo da sua vida. …. As universidades não devem pretender substituir-se ao mercado fazendo formação “prática”, porque essas são competências que lhe são estranhas».
Se é verdade que, na década de 90, se optou por fazer uma clara distinção entre Universidades e Politécnicos, apontando como interesses dos segundos o saber de natureza profissional, a investigação orientada e o desenvolvimento experimental, também é justo reconhecer que, entretanto, algumas diferenças se foram esbatendo em grande parte por influência das Universidades que, na procura de fundos, sobretudo comunitários, sobrevalorizaram a sua vocação profissional.
Neste contexto, o repto lançado pelo Presidente do IPC («… tudo ou quase tudo o que se faz ao nível do ensino superior na área da formação também se faz numa universidade e nesse sentido, tudo tem natureza universitária pelo que não existem muitas razões para continuar a sustentar a existência de um sistema binário de instituições») é um alerta que, contrariamente ao seu objetivo inicial, reforça a necessidade da existência de um sistema binário no ensino superior português. Porque se assim não for, se a Universidade não se concentrar na sua missão «de criação, análise crítica, transmissão e difusão de cultura, de ciência e de tecnologia», arrisca tornar-se num centro de aprendizagem onde, parafraseando Alberto Manguel, «estamos a criar seres humanos que não confiam nas suas próprias capacidades e que começam a acreditar que o seu único objetivo na vida é arranjar trabalho para conseguir sobreviver até chegar à reforma – que também já lhes estão a tirar.»
Estamos a meados de mês de julho e as férias de verão – como são referidas no calendário escolar da UC – decorrem no mês de agosto, altura propícia ao descanso, ao exercício tranquilo do diálogo e da reflexão. Sabemos que podemos fazer a diferença, se o quisermos, se tivermos vontade de reequacionar os nossos propósitos e de delinear novas estratégias. Só assim, com todos, a universidade poderá continuar a afirmar-se pela qualidade, a cultivar o espírito crítico, preservando a serenidade exigida pela atividade científica. Porque dela, afinal, também depende a inteligência do país.
Teresa Pedroso de Lima
Membro da Comissão Diocesana justiça e Paz
(Publicado no Diário de Coimbra de 2012-julho-15)

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