domingo, 19 de maio de 2013

Viver da Esperança

Diário de Coimbra, 19.mai.2013

Então, decide-se hoje o “título”. Enquanto não chega a hora dos jogos, os mais clubistas vivem uma ansiosa espera, na expetativa do que acontecerá, sem disfarçarem um desejo doido de que as coisas venham a correr a favor das suas cores. Entretanto, a utopia de vencer nas quatro frentes esfumou-se para todos eles! Em todo o caso, nem a espera antecipa a hora dos jogos, nem a expetativa interfere nos resultados, nem o desejo potencia as pernas dos jogadores ou apura as táticas dos treinadores. Por muito envolvente e angustiante que o momento possa ser para muitos portugueses e portuguesas, e de cujo resultado possam vir a sentir-se triunfantes ou humilhados, a preparação, os jogos e os resultados são-lhes exteriores, dependem de outras pessoas e circunstâncias. Serve a imagem para ilustrar que espera, expetativa, desejo e utopia existem e arrastam-nos, mas não são esperança!

Esperança, isso, uma palavra que parecia morta e que a crise ressuscitou. Curiosamente, uma das três únicas encíclicas de Bento XVI foi sobre a esperança. Mas estávamos ainda em 2007 e nem o Papa sonhava a crise tal como ela se manifestou depois, nem a cultura dominante estava virada para um conceito que, então, parecia excessivamente religioso. O texto passou ao lado, incontundente e incólume.

Hoje, pelo contrário, não há quem não pergunte: “e ainda há esperança?”. E os políticos, à uma, apelam à esperança ou oferecem-se a eles próprios como garantia da mesma. Mas também aqui o discurso tende a confundir esperança, esperas, utopias, desejos e expetativas. A sociedade portuguesa – se as aparências não enganam – tem muitas pessoas à espera das decisões da Srª Merkel, do BCE, do Governo, muitas pessoas na expetativa de que a sua empresa não encerre, muitas pessoas desejosas de uma mudança dos atores políticos, e por aí fora… Mas nada disso se situa no domínio da esperança.

A esperança vive da certeza de que é possível e desejável uma realidade diferente. Certeza que é interior, mas que é mais do que convicção, porque radicada no anseio universal por um bem maior pessoal e coletivo. Vive do futuro, mas trabalha ativamente o presente para o orientar no sentido desse futuro. É pró-ativa, como – noutro contexto – o versejou Geraldo Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. É projetiva, prosseguindo alguma utopia, mas não descola da realidade. E, mais do que tudo isto, é implicativa: mete-me a mim, pessoalmente, no seu caminho. A mim e a todos. Às pessoas e às organizações. Por isso, não há esperança sem mudança de critérios de vida, pessoais, coletivos e organizacionais, como o sugeria logo no título a primeira Nota da Comissão Diocesana Justiça e Paz da diocese de Coimbra (Junho, 2010). A esperança é o motor da História: quem quer ser senhor da História, e não apenas a vítima de esperas angustiantes e expetativas frustradas, alimenta-se e vive da esperança. Implicadamente.

Carlos Neves

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