domingo, 5 de maio de 2013

Ler "Pacem in Terris" 50 anos mais tarde...


Diário de Coimbra, 5.mai.2013

Olhamos, hoje, para a crise económica, para os conflitos sociais e políticos que se desenham na Europa e no nosso País e pensamos: como foi possível considerar, em 1962, a ascensão económico-social das classes trabalhadoras, o ingresso da mulher na vida pública e, ainda, a evolução sociedade humana para um padrão social e político completamente novo, sem povos dominadores ou dominados, como os fenómenos mais marcantes daquela época? (PT, 39-45)

Será que recuámos no tempo? Ou estaríamos, então, imersos naquele otimismo – hoje em dia classificado, por muitos, de ingénuo – típico dos anos sessenta?

Há 50 anos acreditávamos que, depois de alcançados os direitos de natureza económica, social, cultural e política, os trabalhadores saberiam manter viva «a exigência de não serem tratados pelos outros, arbitrariamente, como objetos que carecem de razão e de liberdade, mas sim como pessoas». Estávamos, também, convencidos de que cada mulher, consciente da sua própria dignidade, conseguiria reivindicar a «paridade de direito e de facto com os homens» (GS, 9). E, finalmente, afirmávamos que estavam «superadas seculares mentalidades que admitiam classes inferiores e superiores de pessoas, fruto da situação económico-social, do sexo ou da posição política, prevalecendo a opinião de que todos os seres humanos são iguais entre si por dignidade de natureza.»

Onde teremos, assim, errado? A excessiva confiança no progresso tecnológico, ou a filosofia de bem-estar baseada exclusivamente no consumismo serão justificação suficiente para o nosso fracasso?

Recordo que a encíclica “Pacem in Terris”, publicada em maio de 1962, versa sobre «a paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade» e assume-se como um desafio universal, dirigido não apenas aos católicos e aos cristãos, mas a todas as pessoas (homens e mulheres) de boa vontade. À semelhança, aliás, do que acontece com outros, mais recentes, como a Declaração do Milénio”, na qual foram definidos oito objetivos, sendo um deles, releve-se, «promover a igualdade de género», tema que, hoje, Dia da Mãe, não posso deixar de associar à maternidade.

Neste sentido, proponho a leitura de mais um excerto, agora da encíclica Laborem Exercens (LC, 19). Falo de um texto de 1980 (ano em que fui mãe pela segunda vez), onde se sublinha que «a experiência confirma que é necessário atender mais à revalorização social das funções maternas», se reitera a necessidade de criar condições para que todas as mulheres «possam desempenhar plenamente as suas funções… sem discriminações e sem exclusão dos empregos para que tenham capacidade, como também sem faltar ao respeito pelas suas aspirações familiares e pelo papel específico que lhes cabe no contribuir para o bem comum da sociedade juntamente com o homem», e, ainda, se frisa que «a verdadeira promoção da mulher exige que o trabalho seja estruturado de tal maneira que ela não se veja obrigada a pagar a própria promoção com o ter de abandonar a sua especificidade e com detrimento da sua família, na qual, ela, como mãe, tem um papel insubstituível.».

Dizia-me a minha Mãe, também há 50 anos atrás, que, com a evolução dos tempos e mentalidades, esperava que as filhas sentissem menos dificuldades em conciliar a vida familiar e profissional do que as que ela experimentava. Mais tarde, já avó, lamentava que tal não tivesse acontecido.

E nos dias que correm? Teremos já ultrapassado algumas destas barreiras? Ignorar os avanços entretanto obtidos parece-me uma lamentável injustiça. Todavia, todos os anos, no Dia da Mãe, procuro refletir na imensidão do que ainda está por fazer e, sobretudo, perceber que preconceitos e rotinas me impedem de melhor contribuir para que todos, mães, pais, filhos e filhas, vivamos mais felizes.

Teresa Pedroso de Lima

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