domingo, 2 de junho de 2013

A quem serve a ADSE?


Diário de Coimbra, 2.jun.2013

A Direção-Geral da Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, mantendo a sigla ADSE (Assistência na Doença dos Servidores do Estado), apresenta-se como o subsistema de proteção social da administração pública (funcionários e agentes no ativo e reformados da Caixa Geral de Aposentações) que, no âmbito dos cuidados de saúde, tem por objetivos “a promoção e vigilância da saúde e a prevenção, tratamento e recuperação da doença” dos seus subscritores e dependentes (cônjuge, filhos, adotados, etc.).

Para alcançar estes objetivos e outros de caráter social, nomeadamente encargos familiares (abono de família, apoios complementares), são efetuados descontos nos salários e nas pensões e os serviços públicos e autarquias locais pagam comparticipações em função do número de subscritores, seus trabalhadores, e respetivos dependentes inscritos, cujo montante é fixado por acordo com a ADSE. Em geral, estas comparticipações representam cerca de 2,5% das remunerações pagas aos trabalhadores.

Anuncia-se, para este ano, o aumento dos descontos dos trabalhadores e dos reformados de 1,5% para 2,25% a aplicar sobre salários e pensões de reforma a partir de 485,00 euros (valor atual do salário mínimo). Desta forma, além do aumento percentual dos descontos, há um alargamento da base de incidência, pois, presentemente, os descontos só incidem sobre salários e pensões superiores a 727,50 euros. Este aumento destina-se a contrabalançar a programada redução das contribuições dos serviços públicos e das autarquias. Assim, constata-se que são os subscritores que suportarão a diferença, pois a receita global estimada da ADSE será mantida.

Os subscritores da ADSE têm acesso ao SNS e à comparticipação no preço dos medicamentos tal como acontece com todos os cidadãos portugueses. Se recorrerem à medicina privada (clínicas, laboratórios, consultórios médicos, etc.), os custos são comparticipados de acordo com tabela própria.

A receita total da ADSE atinge valores muito elevados, mas é insuficiente para pagar os cuidados de saúde prestados aos seus subscritores pelo SNS e pela medicina privada. Para resolver o problema, a ADSE repercute sobre os serviços públicos e autarquias, agora diretamente sobre o Orçamento do Estado (OE), os custos com o SNS e a parte que lhe compete dos custos em medicina privada, sendo esta uma possibilidade fora do alcance de qualquer outro subsistema de saúde no que respeita à medicina privada.

O encaminhamento de subscritores de qualquer subsistema de saúde para o SNS constitui, de facto, uma forma de repercutir os respetivos custos sobre o OE. Por isso, o Estado, ao pagar os serviços prestados pelo SNS aos subscritores da ADSE, nada faz de especial, pois sempre teria que os assumir, dado que os trabalhadores e reformados da administração pública são cidadãos portugueses e o SNS é, pelo menos por enquanto, geral e universal.

Ao contrário, ao aceitar o pagamento à medicina privada da parte que compete à ADSE pelos cuidados de saúde prestados aos seus subscritores, o Estado manifesta preferir manter o atual estado das coisas e prescinde de promover a eficácia e de desenvolver a eficiência do SNS.

Então, é legítima a pergunta: a quem serve a ADSE?

Os seus subscritores, têm, em geral, a possibilidade de escolher o prestador de cuidados em que mais confiam e de receber uma comparticipação conforme o tipo de cuidados prestados, o que pode ser significativo em relação a certos cuidados que estão fora da cobertura do SNS (por ex. estomatologia, cuidados de reabilitação em termas, entre outros), mas podem ter surpresas se compararem o valor dos descontos que suportam, sobretudo os titulares de salários ou pensões mais elevadas e sem dependentes, com o que pagariam num seguro de saúde para uma cobertura tão exígua de riscos. Na verdade, os subscritores da ADSE podem sempre, mais cedo ou mais tarde, aceder aos tratamentos de que necessitam, através do SNS.

À medicina privada, nomeadamente clínicas e hospitais, são oferecidos clientes numa elevada quota do seu mercado atual (cerca de trinta por cento), que de outra forma estaria longe de alcançar.

Carlos Paiva

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