domingo, 6 de janeiro de 2013

"Smart shops" ou perplexidades agudas?


Diário de Coimbra, 6.jan.2013

Nos meses de outubro e novembro de 2012, trinta pessoas, pelo menos, foram vítimas de envenenamento por terem consumido produtos, adquiridos em “smart shops”, em cuja composição se encontram substâncias designadas por “novas drogas”.

Quem considerar exagerado que se fale de envenenamento nestes casos esquece-se de que a reação do organismo humano ao consumo destes produtos varia entre crises de pânico, coração acelerado, fortes dores de cabeça, muita excitação. Em certos casos, o consumo destas drogas provoca mesmo lesões psíquicas persistentes, estado de coma ou morte, como aconteceu a quatro jovens madeirenses.

Perante esta realidade as autoridades de saúde sentiram necessidade de registar as urgências hospitalares relacionadas com o seu consumo. Acresce que os prestadores de cuidados de saúde ainda desconhecem a composição real destes produtos, quais as drogas neles contidas, o que dificulta muito a eficácia dos tratamentos.

A venda destes produtos nas referidas “smart shops” tem sido entendida como “lícita” apenas por ser, de certo modo, discutível considerar que se encontram incluídos na tabela legal de substâncias psicotrópicas sujeitas a controlo. No entanto, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), entidade administrativa nacional especializada no âmbito da segurança alimentar e da fiscalização económica, intervém, e bem, com rigor, exigência e determinação em circunstâncias muito menos gravosas para a saúde das pessoas.

Talvez seja exagero considerar os vendedores destes produtos como responsáveis por crimes de ofensas corporais, eventualmente agravados pela morte dos consumidores, mais censuráveis por se tratar do uso de um veneno, mas é de ficar com agudas perplexidades se for entendido que se deve esperar por uma lei que “torne” estes produtos ilegais, permitindo, entretanto, a sua livre disseminação e deixando as pessoas, sobretudo os jovens, à mercê de um “mercado” reconhecidamente insidioso e incentivador do consumo deste tipo de produtos.

A medida de encerramento imediato das referidas lojas, tomada pela autoridade política madeirense, embora drástica, tem alguma lógica. No entanto, em nome de que princípio pode uma comunidade tolerar que alguém possa vender estes produtos em plena liberdade, em face do que já se sabe acerca das consequências do seu consumo?

Será apropriado considerar legítimo vender tudo o que as pessoas querem, invocando princípios de liberalismo económico e comercial, ou aceitar que as pessoas consumam tudo o que lhes apetecer, invocando princípios de independência e de autodeterminação individual? Alguém tem legitimidade para se desinteressar pelas consequências do consumo dos produtos que vende, mesmo que, presumidamente, satisfaça os seus desejos? Alguém tem legitimidade para se autoflagelar fisiológica ou psiquicamente com prejuízo de outros, familiares, amigos, sociedade em geral, também vítimas das consequências?

Na realidade, à luz dos princípios da prudência e da prossecução do bem comum, que exigem a colocação no mercado de produtos de qualidade com respeito pela segurança dos consumidores, a suspensão imediata da venda destas drogas constitui uma medida que, claramente, se impõe, pois beneficia os cidadãos e evita males maiores.

Carlos Paiva

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