domingo, 28 de abril de 2013

Acabe-se com este triste espetáculo


Diário de Coimbra, 28.abr.2013

Nos últimos tempos alguns sectores da sociedade portuguesa, nos quais incluo o secretário-geral do partido socialista, vêm reclamando que Portugal precisa é de “parar com a austeridade”, a pretexto de que este caminho está a conduzir o nosso país para o abismo.

Por outro lado, temos outros sectores, nos quais incluo o Governo, que reclamam que Portugal deve manter o caminho que vem sendo seguido dado que parar ou mudar de rumo, colocaria em causa tudo o que já foi conseguido até ao presente no que respeita às finanças públicas, ao equilíbrio das contas externas e ao acesso aos mercados.

A conflitualidade e a crispação entre estes dois sectores não têm parado de aumentar e nem a abertura demonstrada pelo Governo nos últimos dias, tendo em vista uma maior aproximação ao maior partido da oposição com vista à obtenção de alguns consensos, conseguiu atenuar.

Considero, de facto, verdadeiramente deplorável e até confrangedor o que se vem passando em Portugal envolvendo o Governo e os partidos da oposição. Como é possível, perante a gravidade da situação atualmente vivida pela maioria dos portugueses, não seja possível encontrar um espaço de consenso em algumas das áreas fundamentais, sobre o que há a fazer e a melhor forma de o conseguir, tendo em vista assegurar contas públicas mais equilibradas, a criação de postos de trabalho e devolver o ânimo, a esperança, a auto-estima, a mobilização positiva e a alegria de viver aos portugueses.

Começo a convencer-me de que isso só não acontece porque todos, ou pelo menos a maioria destes senhores, estão do lado bom da vida não sabendo o que é o desemprego, o risco de perder a profissão, a perda da habitação nem a ausência ou a insuficiência de salário para fazer face às necessidades mais elementares dos seus agregados familiares.

Na minha opinião está a tornar-se cada vez mais óbvio que, para a maioria deste senhores que todos os dias nos aparecem na televisão, a crise, na sua plena dimensão e nas suas verdadeiras consequências, está, de facto, a passar-lhes claramente ao lado. Digo isto porque conheço inúmeros casos de empresas onde as divergências entre patrões e trabalhadores eram muitas e bem acentuadas. Porém, após a crise lhes ter batido à porta e terem sido confrontados com o risco de falência não foi difícil juntar esses mesmos patrões e os seus trabalhadores para trabalharem conjuntamente na busca das melhores soluções que viabilizassem essas empresas e os postos de trabalho.

Face ao atual cenário que vivemos hoje em Portugal e ao comportamento que considero lamentável dos protagonistas políticos, estou solidário com a posição assumida por Daniel Bessa numa das suas últimas crónicas do Jornal Expresso quando afirma que vivemos em Portugal um “espetáculo deplorável”.

Também eu não me revejo nesta forma de fazer política e “tal como Daniel Bessa” tenho vontade de dizer a estes senhores que se este triste espectáculo se mantiver, irei igualmente votar num dos cães duma pessoa minha conhecida, mesmo que este não conste do respectivo boletim de voto.

Abel Pinto

domingo, 21 de abril de 2013

Evitar as comparações


Diário de Coimbra, 21.abr.2013

Nunca estaremos bem, se nos compararmos, de modo permanente, com os outros. Nunca mais viveremos a nossa vida pessoal. Nunca mais poderemos ser otimistas.

Comparando-nos com os outros, viveremos sempre, sem o saber, em estado de inferioridade. No fundo, em poder do outro! Um poder que, na realidade, o outro não possui, mas que lho entregamos na nossa mente. Quem não tem uma boa autoestima está condenado a viver de comparações.

Para sair dessa situação, não precisamos de desvalorizar o outro. Para nos revalorizar a nós próprios, não devemos denegrir o outro, dizendo mesmo que o que ele mostra não passa de aparência!

De modo algum, devemos estar insensíveis aos problemas dos outros, porém, sem nos deixarmos influenciar a ponto de ser invadidos por eles e perder a nossa autonomia. Precisamos de muita energia para nos ocuparmos e centrarmo-nos em nós próprios, a fim de respeitar as componentes da nossa personalidade. Respeitando a nossa originalidade e especificidade, realizaremos a nossa tarefa de ajudar verdadeiramente os outros. É mais fácil ajudar os outros do que a si mesmo.

Não devemos amar-nos como amamos os outros; mas, como diz Jesus Cristo, agir ao contrário: “Amar os outros como a ti mesmo”. Não podemos substituir o nosso coração pelo do outro porque, neste caso, nunca viveremos na primeira pessoa e traímos o verdadeiro objetivo para que nascemos e não poderemos possuir a autoestima. Deste modo, também nunca tomaremos como referência a nossa pessoa nem a nossa unicidade. Viveremos, como muitos fazem, à procura do consenso dos outros, da sua aprovação. Viveremos atemorizados com as suas censuras e críticas, viveremos subjugados.

O nosso Deus não nos criou escravos, mas pessoas! A figura de escravo representa bem esse modo de viver: como presa dos outros, em poder dos outros, dependente dos outros e da sua vontade. Mas Deus torna-nos livres. Deus aprecia-nos precisamente por aquilo que Ele sabe que somos. Na medida em que nos esquecemos de ser filhos de Deus é que nos deixamos ferir pelos outros. Ninguém pode tirar-nos o valor e a liberdade que cada um possui ! Mas, se tal acontecer, é porque nós lho permitimos.

O problema da autoestima é sobretudo um problema espiritual. De facto, deixarmo-nos caminhar para Deus liberta-nos definitivamente da dependência dos outros e da opressão das suas opiniões.

Quem tem um coração alegre não se enfurece contra o mal, mas pensa em fazer o bem. Lutar contra o mal gasta muita energia. Além disso, devemos pôr-nos sinceramente diante de nós mesmos, ver e reconhecer os nossos complexos, problemas, lados escuros. Talvez seja um pouco doentio voltar-nos para o mal do outro. Portanto, é preferível não perder energias a combater o mal no outro, mas investi-las em fazer concretamente o bem. Mais que situados na maldade do outro, a preparar defesas, contra-ataques, estratégias e táticas, é bem melhor situar-nos em nós e, de maneira prática, desenvolver ainda mais os nossos pensamentos e atividades de modo a realizar formas e obras de serviço, de ajuda, de partilha, de amor.

Não viver contra alguma coisa ou alguém, mas viver para alguma coisa ou para alguém.


Alberto Lopes Gil

domingo, 14 de abril de 2013

Privada é privada - pública é pública


Diário de Coimbra, 14.abr.2013

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS), na sequência de um inquérito, recomenda ao Governo que “adote os procedimentos necessários para fazer cessar o exercício de medicina privada em estabelecimentos hospitalares públicos”. O relatório que sustenta esta recomendação baseia-se na análise das situações encontradas em dez hospitais onde é admitido aos seus médicos o exercício de medicina privada nas instalações do próprio hospital, no universo dos quarenta e oito estabelecimentos hospitalares do país.

Tal como o relatório da ERS refere, o exercício de medicina privada nas instalações do mesmo hospital em que o médico trabalhasse era admitido com algo de normal no quadro do sistema de saúde anterior à criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). De facto, salvo nos hospitais públicos, o corpo médico permanente dos hospitais privados (clínicas ou casas de saúde) ou da economia social (Misericórdias, na sua maior parte) limitava-se a um diretor clínico e a mais um ou dois médicos. O acesso ao tratamento hospitalar dos doentes era efetuado através da indução do respetivo médico assistente, no exercício de medicina privada, que acompanhava o doente durante o internamento em quarto particular, se o doente preferisse este regime, ou na enfermaria, se os médicos do corpo permanente permitissem. Este sistema foi sendo ultrapassado à medida que se foi desenvolvendo a atividade dos serviços médico-sociais das caixas de previdência e se foi implantando o SNS, com a oficialização dos hospitais, a criação de centros de saúde, a definição de carreiras médicas e a dotação de quadros médicos em todos os hospitais e centros de saúde.

No entanto, ao longo desta evolução, a possibilidade de exercício de clínica privada continuou a ser admitida, com raras exceções, aos médicos do SNS, apesar de integrados no regime de vinculação da administração pública e de estarem investidos em funções públicas em que a regra geral foi sempre a de que tais funções são exercidas em regime de exclusividade tal como dispõe hoje a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (cf. em especial o artigo 26.º), que se limita a confirmar a orientação legislativa anterior e tradicional.

De facto, muito nos admiraríamos se fosse permitido que um professor de uma escola pública desse explicações aos alunos da mesma escola ou, para cúmulo, lhe fossem cedidas, na própria escola, instalações e equipamentos, mesmo sob arrendamento ou aluguer, para exercer atividade docente privada. Os exemplos podem multiplicar-se, com as necessárias adaptações, a economistas, enfermeiros, técnicos de saúde, gestores, juristas, juízes, etc., etc.. A nossa admiração deriva, naturalmente, da raridade de exemplos verificáveis e de a sua verificação dar azo a reação pública de repúdio, dada a convicção geral de que de tal possibilidade resultaria ambiguidade entre o exercício de funções públicas e privadas.

Ainda hoje, o acordo coletivo de trabalho para os médicos admite o exercício de atividade privada, em regime de trabalho autónomo, mediante a mera “apresentação à entidade empregadora pública de compromisso de honra de que por esse motivo não resulta qualquer condição de incompatibilidade”. Algo que está muito longe de acontecer para outros trabalhadores da administração pública ou do setor empresarial do Estado, onde estão integrados todos os hospitais sob a forma de entidades públicas empresariais.

Independentemente da legalidade do exercício de medicina privada pelos médicos do SNS, uma exceção à regra da exclusividade, estatuída para os outros trabalhadores, poder-se-á perguntar quais as vantagens daí decorrentes para os cidadãos portugueses beneficiários do SNS, sobretudo quando lhes são prestados cuidados de saúde que estão ao seu alcance, precisamente, no mesmo hospital. Realmente, o que estará aqui em causa: o bem comum dos cidadãos em geral ou a liberdade de exercício de medicina privada por parte dos médicos do SNS? Esta questão só deixaria de se colocar se esta atividade de medicina privada se restringisse a doentes cobertos por seguros de saúde privados, excluídos do SNS, nas doenças emergentes de atividades profissionais e acidentes de trabalho ou de acidentes de viação, transportes ferroviários, aéreos e marítimos.

É neste quadro que ganha sentido a expressão “privada é privada, pública é pública”, referida como lema a seguir, considerado, de há muito tempo a esta parte, como o mais salutar e desejável, relativamente à atividade dos médicos do SNS.

Carlos Paiva

domingo, 7 de abril de 2013

Do direito à verdade


Diário de Coimbra, 7.abr.2013

Um dos principais temas na filosofia política ocidental é o exercício do Poder e, nomeadamente, a forma de o manter e de o controlar. Cada um destes pontos interpela diferentes actores pois que se a conservação do Poder interessa a quem o detém, já o seu controle é tarefa de todos nós.

Desde há cerca de duzentos anos que, impulsionada pelos ventos da história e alimentada pelos pensadores, mas, essencialmente, moldada por aqueles que lutavam pelos seus ideais, se foi desenvolvendo a ideia de que a “democracia representativa” era a forma de governo que melhor permitiria que os cidadãos exercessem o Poder, nomeadamente através dos seus representantes eleitos. Num dos discursos mais importantes da História (Gettysburg- 19/11/1863) Lincoln sintetizou magistralmente a raiz de tal relação ao afirmar “que esta Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

Com todas as suas limitações o ideal desenhado por Rousseau, Hobes e Lock foi bem-sucedido ao longo dos séculos, impondo-se se aos totalitarismos, e a conjugação de governos representativos e de economias de mercado construiu sociedades abertas e plurais, respeitadoras da liberdade e do bem-estar. Simultaneamente, procurou-se controlar o exercício daquele Poder através de instrumentos que permitissem inviabilizar qualquer deriva que pretendesse colocar em causa a representatividade do exercício em nome do Povo.

Nos dias de hoje aparecem sinais duma erosão que enfraquece a base da democracia, atingindo-a precisamente na sua essência, ou seja, naquilo que se refere à representatividade dos governos perante as exigências dos governados. Na verdade, com o decorrer do tempo, grande parte dos governos representativos foi capturada por dois poderosos actores: os partidos políticos, que converteram os sistemas políticos em partidocracias governadas por uma classe política que, muitas vezes, não presta contas nem é transparente, e os mercados, que sujeitaram o poder político aos seus interesses particulares, convertendo-se numa esfera de poder autónoma.

O interesse público, a decantada res publica, está, demasiadas vezes, relegada para um segundo plano como princípio orientador das políticas públicas e foi subvertida a prestação sistemática de contas como mecanismo de controlo nas mãos dos cidadãos.

Na maior parte das democracias ocidentais é hoje visível a crise de grande parte dos mecanismos que possibilitavam a visibilidade, e o controlo, de todos aqueles que exercem o poder, criando uma ruptura entre representantes e representados, colocando em causa a qualidade da democracia que os seus cidadãos merecem e aspiram.

Em tempos de prosperidade, quando os recursos pareciam inesgotáveis, a distribuição da riqueza, e o colmatar das assimetrias, eram tarefas resolúveis e a tensão entre eficácia e representatividade resolvia-se liminarmente a favor da eficácia em detrimento da representatividade. Todavia, quando os tempos de penúria chegaram, e a crise económica irrompeu, ficou visível a incapacidade dos sistemas políticos de gerirem eficazmente a economia a que se acrescentou não só a sua crise de representatividade mas, também, a submissão ao poder dos mercados.

A democracia representativa entrará numa profunda crise se não recentrar a sua legitimidade na relação com os cidadãos em nome de quem é exercido o Poder e um dos elos fundamentais de tal relação é o Direito à Verdade. Para quem é convocado diariamente a suportar o custo de decisões iniquas, tomadas á revelia do Bem Comum, o mínimo que é exigível é a explicação cabal de como foi possível chegar até aqui e da responsabilidade de quem nos fez chegar até aqui.

Os exemplos desta exigência de cidadania começam a multiplicar-se na Europa e vão desde o julgamento do antigo primeiro ministro da Islândia Geir H.Haarde até ao referendo na Suíça que, fruto da iniciativa popular, limitou os ordenados excessivos dos altos executivos, passando pela condenação em quatro anos de prisão de Ernst Strasser-antigo Ministro do interior austríaco, e em oito anos de prisão de Akis Tsohatzopulos-antigo Ministro da Defesa grego e alto responsável do PASOK.

São meros sinais mas, a menos que nos consideremos todos derrotados, é hora, agora mais do que nunca, de ousar experimentar no quadro da democracia.

José Santos Cabral

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...