domingo, 27 de janeiro de 2013

O abandono escolar e as propinas na Universidade

Diário de Coimbra, 27.jan.2013

Na semana passada surgiram diversas notícias sobre o abandono escolar nas universidades e, de imediato, algumas vozes associaram esta matéria ao «preço» do ensino público superior em Portugal. Por outro lado, a breve e infeliz referência do relatório do FMI – " … parece razoável que a educação pública superior contribua para os ajustamentos em curso no sistema de ensino, nomeadamente através do aumento das propinas …" – levou ao ampliar do tom na discussão, o que evidencia a necessidade de afirmar e defender, tal como têm feito o Reitor da Universidade de Lisboa e a Presidente do Conselho Nacional de Educação entre outros, que “Portugal não tem diplomados a mais, mas, sim, emprego qualificado a menos”.

Neste sentido, embora seja imperioso esclarecer que a Universidade deve ser orientada pela comunidade científica (professores e investigadores, nacionais e internacionais), não podemos esquecer que ela é pertença de toda a sociedade e que, a par da defesa da sua autonomia, não pode nem deve desvalorizar a sua missão de serviço público.

Em paralelo, o poder político, por seu lado, agindo com o necessário rigor, mas também com uma visão ampla e inteligente, tem como estrita obrigação assegurar a transparência e regularidade do financiamento adequado a cada instituição, promover o acesso socialmente justo e, naturalmente, fiscalizar e avaliar de modo eficaz e consequente.

Posto isto, o que pode, cada um de nós, fazer para evitar que alguém que queira estudar não seja excluído, independentemente do seu mérito, por motivos financeiros?

Nas Universidades, enquanto as Associações de Estudantes e os Serviços de Ação Social, em colaboração com outros grupos ou instituições, se mobilizam para acudir aos casos mais prementes, o CRUP – preocupado em perceber quantos estudantes abandonam o ensino superior, quais as razões que os levaram a fazê-lo e qual a influência que têm ou não as condições financeiras nesta opção – decidiu formar um grupo de trabalho.

Tal é, indiscutivelmente, importante. Será, porém, suficiente?

Para além deste tipo de iniciativas, dentro da Universidade como um todo, ou de cada Faculdade ou Instituto que a compõem, não nos cabe nenhuma responsabilidade enquanto professores ou estudantes? Devemos permanecer numa atitude de meros espectadores críticos quando aquelas ações se manifestam insuficientes?

Será compreensível que um estudante se queixe do montante das propinas e, simultaneamente – estando inscrito numa unidade curricular onde estão previstas aulas teóricas, aulas práticas, sessões de esclarecimento de dúvidas e indicação de bibliografia – ignore as primeiras (porque alguém, igualmente empenhado, disse que eram “uma seca”), frequente muito vagamente algumas aulas práticas (porque se registam as presenças), não conheça os professores e nunca tenha sequer consultado um dos livros/textos indicados?

E um professor que abdique da exigência e do rigor que lhe compete (uma vez que a taxa de insucesso dos alunos pode ser um incómodo na sua avaliação), atribuindo a quase todos os inscritos a (tão bem designada pelo meu colega Joaquim Feio, há cerca de vinte anos atrás) “nota mínima garantida”, não valorizando o trabalho comprometido e esforçado dos melhores, não estará, também ele, a contribuir para o desinteresse e abandono escolar?
Deparamo-nos, assim, com um dilema: acreditar que nada podemos fazer, que a crise tudo arrasta, abdicando do compromisso pelo bem comum em favor de um sistema em que a discriminação é cada vez mais fácil e as injustiças mais flagrantes; ou, em alternativa, responder afirmativamente ao chamamento que nos é feito para participar numa renovada procura do bem comum, promovendo e protegendo a inalienável dignidade da pessoa humana. O desafio é claro, bem como a liberdade e a responsabilidade da nossa escolha …

Teresa Pedroso de Lima

domingo, 6 de janeiro de 2013

"Smart shops" ou perplexidades agudas?


Diário de Coimbra, 6.jan.2013

Nos meses de outubro e novembro de 2012, trinta pessoas, pelo menos, foram vítimas de envenenamento por terem consumido produtos, adquiridos em “smart shops”, em cuja composição se encontram substâncias designadas por “novas drogas”.

Quem considerar exagerado que se fale de envenenamento nestes casos esquece-se de que a reação do organismo humano ao consumo destes produtos varia entre crises de pânico, coração acelerado, fortes dores de cabeça, muita excitação. Em certos casos, o consumo destas drogas provoca mesmo lesões psíquicas persistentes, estado de coma ou morte, como aconteceu a quatro jovens madeirenses.

Perante esta realidade as autoridades de saúde sentiram necessidade de registar as urgências hospitalares relacionadas com o seu consumo. Acresce que os prestadores de cuidados de saúde ainda desconhecem a composição real destes produtos, quais as drogas neles contidas, o que dificulta muito a eficácia dos tratamentos.

A venda destes produtos nas referidas “smart shops” tem sido entendida como “lícita” apenas por ser, de certo modo, discutível considerar que se encontram incluídos na tabela legal de substâncias psicotrópicas sujeitas a controlo. No entanto, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), entidade administrativa nacional especializada no âmbito da segurança alimentar e da fiscalização económica, intervém, e bem, com rigor, exigência e determinação em circunstâncias muito menos gravosas para a saúde das pessoas.

Talvez seja exagero considerar os vendedores destes produtos como responsáveis por crimes de ofensas corporais, eventualmente agravados pela morte dos consumidores, mais censuráveis por se tratar do uso de um veneno, mas é de ficar com agudas perplexidades se for entendido que se deve esperar por uma lei que “torne” estes produtos ilegais, permitindo, entretanto, a sua livre disseminação e deixando as pessoas, sobretudo os jovens, à mercê de um “mercado” reconhecidamente insidioso e incentivador do consumo deste tipo de produtos.

A medida de encerramento imediato das referidas lojas, tomada pela autoridade política madeirense, embora drástica, tem alguma lógica. No entanto, em nome de que princípio pode uma comunidade tolerar que alguém possa vender estes produtos em plena liberdade, em face do que já se sabe acerca das consequências do seu consumo?

Será apropriado considerar legítimo vender tudo o que as pessoas querem, invocando princípios de liberalismo económico e comercial, ou aceitar que as pessoas consumam tudo o que lhes apetecer, invocando princípios de independência e de autodeterminação individual? Alguém tem legitimidade para se desinteressar pelas consequências do consumo dos produtos que vende, mesmo que, presumidamente, satisfaça os seus desejos? Alguém tem legitimidade para se autoflagelar fisiológica ou psiquicamente com prejuízo de outros, familiares, amigos, sociedade em geral, também vítimas das consequências?

Na realidade, à luz dos princípios da prudência e da prossecução do bem comum, que exigem a colocação no mercado de produtos de qualidade com respeito pela segurança dos consumidores, a suspensão imediata da venda destas drogas constitui uma medida que, claramente, se impõe, pois beneficia os cidadãos e evita males maiores.

Carlos Paiva

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...